quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Ménage à trois

Ilustr.: Chanelle Kotze
Eu já nem sei dizer. Recordo-te como se tivesse sido ontem, mas parece-me que carrego há séculos o frio progressivo da tua ausência. Não sei se é claro ou sequer compreensível o que digo, mas, se queres que te explique, acho que se parece com a água. Sim, com a água. Enquanto fomos dois a nossa água aqueceu, dilatou-se e entrou em ebulição; depois quando partiste, começou arrefecer, a querer congelar, a solidificar, enfim, como quando temos cuvettes no congelador. Hás-de reparar que, ao fim de um tempo, o frio também faz a água crescer e que os cubos deixados no frigorífico são maiores do que a água que lá puseste. Assim cresceu, também, isto que sinto por ti; isto que já não sei bem o que é – se é paixão, se amor apenas, ou só saudade. A água, ao menos, sabemos que cresce e mingua, aquece e arrefece, mas que é só a água, nada mais do que água. Agá dois ó. Três moléculas. Duas agá, de hidrogénio, uma ó, de oxigénio. Um ménage à trois da natureza.


[Manuel Jorge Marmelo, in 'O amor é para os parvos']

Sem comentários :

Enviar um comentário