quinta-feira, 19 de maio de 2016

Contrição

Ilustr.: Brita Seifert


Se não consegues entender que
o céu deve estar dentro de ti,
é inútil buscá-lo acima das nuvens e ao lado das estrelas.
Por mais que tenhas errado e erres,
para ti haverá sempre esperança,
enquanto te envergonhares de teus erros.

[Charles Chaplin]

quarta-feira, 20 de abril de 2016

De dentro

Ilustr.: Leyla Safa






Quando lidares com um coração,
coloca-o dentro do teu!
Apenas aí o entenderás;
apenas aí sentirás o que te diz!

[Emílio Miranda]

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Medo de dizer quem somos

Ilustr. from http://www.carsa.rs/bogocovek-i-robocovek/

Porque razão algumas vezes, ou até muitas vezes, temos medo de dizermos quem somos?

Nós temos medo de dizer quem somos verdadeiramente, porque o outro pode não gostar e, o que somos, a nossa pessoa, a nossa identidade, a nossa história, é tudo o que temos para dar ao outro e a nós mesmos, sobretudo a nós mesmos. E uma invalidação da nossa pessoa pode ser arrasadora. Mas importa o que os outros pensam de nós? Sim, importa, e deverá ser somente para quem é fundamentalmente importante para nós. Mas nem sempre é assim. 

Nós nascemos e existimos, ganhamos um significado enquanto pessoas, na relação com o outro. Desde sempre e para sempre. Por conseguinte, qualquer distorção relacional é sempre desagradável. Contudo, no fim, percebemos que somos nós quem decide continuar a atribuir importância a essa invalidação. Porquê? Porque na verdade, de alguma forma, quem invalidou a nossa pessoa fomos nós próprios. O outro, aquele que supostamente nos invalidou, continua a sua vida, nos seus afazeres. E nós? Nós continuamos na nossa jornada relacional com nós mesmos, a intra-pessoal. Somos sempre nós os primeiros e os últimos a fazer a crucificação da nossa pessoa. Os motivos, a ferida, a suposta invalidação que veio de fora, do outro, já existia na nossa vida de dentro e só por isso, repito, e só por isso, é que se criou a ilusão de que foi o outro que nos invalidou. Embora a nossa vida só se arquitecte e tenha sentido na relação com o outro, somos nós que a comandamos e decidimos o que fazer com as coisas que outro nos dá e que despertam o que já existe dentro de nós.

Então porque razão algumas vezes, ou até muitas vezes, temos medo de dizermos quem somos?
Porque mais do que nos convidar a lidar com a dor pela razão do outro não gostar de nós, trata-se essencialmente de nos convidar a olhar para a nossa vida de dentro e vermos coisas com as quais temos dificuldade em manejar, em pensar, em sentir.

[Virgílio Baltasar (José Virgílio Gouveia Baltasar)]

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Faça o que fizer

Ilustr.: Albin Veselka

Todos os dias temos diversas alternativas, o que vestir, o que calçar, por onde andar, com quem falar, ser simpático, antipático, etc...

Contudo, penso que no mundo em que vivemos, coisas bobas, e de mera importância acabam nos afetando de uma maneira inexplicável. Você tem o poder de escolher o que fazer com o seu dia, e mesmo assim parece que os outros, a felicidade, a vida das outras pessoas nos afeta e incomoda tanto.

O Problema é, nos preocupamos tanto com a felicidade e vida alheia, que acabamos esquecendo de nossa própria vida. Colocamos nossa plenitude, na mão de qualquer pessoa, e isso definitivamente não é o certo. Só você tem o poder de mudar suas escolhas e sua vida, lembrando sempre que cada escolha que fizermos, trará em conjunto uma serie de consequências. Tanto boas como ruins.

Sua família, amigos, podem ate te ajudar em diversas coisas, mas pude perceber que as decisões mais importantes a serem tomadas, devem ser decididas quando estamos sozinhos. E nada de pensar muito, quando pensamos demais no que fazer, ficamos estressados, desgastados. Bom mesmo é saber o que fazer, quando fazer e com a mente tranquila.

É óbvio que ninguém, em hipótese alguma vive sozinho, mas vá com calma, não deposite sua fé exageradamente em ninguém, lembre-se que você é o autor da sua própria historia, e no final de tudo é você contra você mesmo.

Não se deve obrigar ninguém a gostar de você, a coisa mais saudável a se fazer é apenas tentar dar bons motivos para que isso aconteça, e se caso não funcionar? bom, pelo menos a sua parte você fez.

E agora é a sua vez, o que vai fazer? deixar que pequenos problemas estraguem todo o seu dia, e ficar mau humorado, ou levantar a cabeça, sorrir e deixar as pessoas curiosas querendo saber o motivo de tanta felicidade?

Faça o que fizer, não se engrandeça nem se rebaixe demais.

[Kayque Meneguelli]

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Alusão a mim

Ilustr.: Albin Veselka
Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras; sou irritável e piro facilmente; também sou muito calma e perdoo logo; não esqueço nunca; mas há poucas coisas de que eu me lembre; sou paciente, mas profundamente colérica, como a maioria dos pacientes; as pessoas nunca me irritam mesmo, certamente porque eu as perdoo de antemão; gosto muito das pessoas por egoísmo: é que elas se parecem no fundo comigo; nunca esqueço uma ofensa, o que é uma verdade, mas como pode ser verdade, se as ofensas saem de minha cabeça como se nunca nela tivessem entrando?
Tenho uma paz profunda, somente porque ela é profunda e não pode ser sequer atingida por mim mesmo; se fosse alcançável por mim, eu não teria um minuto de paz; quanto a minha paz superficial, ela é uma alusão à verdadeira paz; outra coisa que esqueci é que há outra alusão em mim - a do mundo grande e aberto; apesar do meu ar duro, sou cheia de muito amor e é isso o que certamente me dá uma grandeza.

[Clarice Lispector]

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Ler devia ser proibido

Ilustr.: ...


Ler devia ser proibido...
Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas:
acorda os homens para realidades impossíveis,
tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e vulgar em que vivem.
Ler pode tornar o homem perigosamente humano.

[Guiomar de Grammont]

terça-feira, 1 de setembro de 2015

A coisa mais pequenina

Ilustr.: Gentiane Magnan


Quero dar-te a coisa mais pequenina que houver
bago de arroz
grão de areia
semente de linho
suspiro de pássaro
pedra de sal
som de regato
a coisa mais pequena do mundo
a sombra do meu nome
o peso do meu coração na tua pele.

[Rosa Lobato de Faria]

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Sê paciente

Ilustr.: Rihards Donskis




Sê paciente;
espera que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

[Eugénio de Andrade]

sábado, 20 de junho de 2015

Num meio-dia de fim de Primavera

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Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas —
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
«Se é que ele as criou, do que duvido.» —
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

[...]

[Alberto Caeiro, in 'O Guardador de Rebanhos']

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Senhor Doutor, lhe começo?

Eu somos tristes.
Não me engano, digo bem.
Ou talvez nós sou triste? Porque dentro de mim, não sou sozinho. Sou muitos. E esses todos disputam minha única vida.
Vamos tendo nossas mortes. Mas parto foi só um.
Aí, o problema. Por isso, quando conto a minha história me misturo, mulato não das raças, mas das existências.
A minha mulher matei, dizem. Na vida real, matei uma que não existia. Era um pássaro. Soltei-lhe quando vi que ela não tinha voz, morria sem queixar. Que bicho saiu dela, mudo, através do intervalo do corpo?
O senhor, doutor das leis, me pediu de escrever a minha história. Aos poucos, um pedaço cada dia. Isto que eu vou contar o senhor vai usar no tribunal para me defender. Enquanto nem me conhece. O meu sofrimento lhe interessa, doutor? Não me importa a mim, nem tão pouco. Estou aqui a falar, isto-isto, mas já não quero nada, não quero sair nem ficar. Seis anos que estou aqui preso chegaram para desaprender a minha vida. Agora, doutor, quero só ser moribundo. Morrer é muito de mais, viver é pouco. Fico nas metades. Moribundo. Está-me a rir de mim?
Explico: os moribundos tudo são permitidos. Ninguém goza-lhes. O respeito dos mortos eles antecipam, pré-falecidos. O moribundo insulta-nos? Perdoamos, com certeza. Cagam nos lençóis, cospem no prato? Limpamos, sem mais nada. Arranja lá uma maneira, senhor doutor. Desenrasca lá uma maneira de eu ficar moribundo, submorto.
Afinal, estou aqui na prisão porque me destinei prisioneiro. Nada, não foi ninguém que queixou. Farto de mim, me denunciei. Entreguei-me eu mesmo. Devido, talvez, o cansaço do tempo que não vinha. Posso esperar, nunca consigo nada. O futuro quando chega não me encontra. Onde estou, afinal eu? O lugar da minha vida não é esse tempo?
Deixo os pensamentos, vou directo na história. Começo no meu cunhado Bartolomeu. Aquela noite que ele me veio procurar, foi onde iniciaram desgraças.

[Mia Couto, “Afinal, Carlota Gentina não chegou de voar?” (excerto), in 'Vozes Anoitecidas']

terça-feira, 26 de maio de 2015

A Fúria Mais Fatal e Mais Medonha

Ilustr.: Wlad Safronov
Das Fúrias infernais foi sempre a Inveja
No mundo a mais fatal e a mais medonha,
Pois faz dos bens dos outros a peçonha
Com que a si mesma se envenena e peja.

Com ira e com furor, raivosa, arqueja,
Com vinganças, traições, com ódios sonha.
Onde quer que se encoste e os olhos ponha,
Tragar as ditas dos mortais deseja.

Mãe dos males fatais à Sociedade,
Vidas, honras destrói, cismas fomenta,
Nutrindo n'alma as serpes da Maldade.

O próprio coração que come a alenta,
Vive afogada em ondas de ansiedade,
Da frenética raiva se alimenta.

[Francisco Joaquim Bingre, in 'Sonetos']

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Os ninguéns

Ilustr.: Viviana Gonzalez
As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

[Eduardo Galeano]

terça-feira, 28 de abril de 2015

Que nunca te falte...

Ilustr.: Katie m. Berggren





Que nunca te falte:
A estrada que te leva e a força que te levanta
O amor que te humaniza e a razão que te equilibra
O pão de todo dia e o verso de cada poema.

[Lou Wit]

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Eterno

Ilustr.: BEELD.MOTION

O que significa eterno?
Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata...
Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como o "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia percebemos que somos muito importante para alguém, mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...
Enfim...
Um dia descobrimos que apesar de viver quase um século esse tempo todo não é suficiente para realizarmos todos os nossos sonhos, para dizer tudo o que tem que ser dito...
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutar para realizar todas as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação.

[Mário Quintana]

domingo, 26 de abril de 2015

Adeus

Ilustr.: Duy Huynh
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

[Eugénio de Andrade]