sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Mudança de Idade

Ilustr.: Ricardo Celma
Para explicar os excessos do meu irmão, a minha mãe dizia: está na mudança de idade.
Na altura, eu não tinha idade nenhuma e o tempo era todo meu.
Despontavam borbulhas no rosto do meu irmão, eu morria de inveja enquanto me perguntava: em que idade a idade muda?
Que vida, escondida de mim, vivia ele? Em que adiantada estação o tempo lhe vinha comer à mão?
Na espera de recompensa, eu à lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me batuques mas vinham de longe, de onde já não chega o luar. Antes de dormirmos a mãe vinha esticar os lençóis que era um modo de beijar o nosso sono. Meu anjo, não durmas triste, pedia. E eu não sabia se era comigo que ela falava. A tristeza, dizia, é uma doença envergonhada. Não aprendas a gostar dessa doença.
As suas palavras soavam mais longe que os tambores nocturnos. O que invejas, falava a mãe, não é a idade. É a vida para além do sonho. Idades mudaram-me, calaram-se tambores, na lua se anichou a materna voz. E eu já nada reclamo.
Agora sei: apenas o amor nos rouba o tempo. E ainda hoje estico os lençóis antes de adormecer.

[Mia Couto]

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