terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Energias

Ilustr.: Amy Elizabeth


Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica
quando tocamos a pessoa certa.

[Carlos Drummond de Andrade]

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

És tu...

Ilustr.: Andrius Kovelinas

Lá em baixo ainda anda gente
apesar de ser tão tarde
há quem cresça no escuro
e do dia se resguarde.

Há quem corra sem ter braços
para os braços que os aceitam
e seus braços juntos crescem
e entrelaçados se deitam

e a manhã traz outros braços
também juntos de outra forma
de quem luta e ao lutar
a si mesmo se transforma.

[Sérgio Godinho, in 'Lá em baixo', 1979]

domingo, 29 de dezembro de 2013

Significado

Ilustr.: Fabrizia Tocchini



Nada acontece por acaso.
Não existe a sorte.
Há um significado por detrás de cada pequeno ato.
Talvez não possa ser visto com clareza imediatamente,
mas sê-lo-á antes que se passe muito tempo.

[Richard Bach]

sábado, 28 de dezembro de 2013

Embalo

Ilust.: Nicoletta Tomas Caravia


Ah, não há nada mais divino e sublime do que o som do meu amor!
Amor que embala o meu sono e protege os meus sonhos...
Abraça-me e divide comigo o ar que muitas vezes me falta.
Não há lugar mais seguro do que os seus braços!
Não há repouso completo se eu não estiver no aconchego do seu peito!

[Jackie Freitas]

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Imperfeição

Ilust.: Nicoletta Tomas Caravia



Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter;
repugná-la-íamos, se a tivéssemos.
O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.

[Fernando Pessoa]

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Solitário

Ilustr.: Mecuro B Cotto


Aquele que conhece
a arte de viver consigo próprio
ignora o aborrecimento.

[Erasmo]

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Canto de Natal

Ilustr.: Holly Sierra



O nosso menino
Nasceu em Belém.
Nasceu tão-somente
Para querer bem.

Nasceu sobre as palhas
O nosso menino.
Mas a mãe sabia
Que ele era divino.

Vem para sofrer
A morte na cruz,
O nosso menino.
Seu nome é Jesus.

Por nós ele aceita
O humano destino:
Louvemos a glória
De Jesus menino.

[Manuel Bandeira,
in 'Antologia Poética - Manuel Bandeira', 2001]

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Rituais

Ilust.: K. Eileena
Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa.
Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz.
Quanto mais a hora estiver a chegar, mais eu me sentirei feliz.
Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!
Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração...
É preciso criar rituais.

[Antoine de Saint-Exupéry]

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Aborrecimento

Ilustr.: Nicoletta Tomas Caravia




A meditação é um vício solitário
que cava no aborrecimento
um buraco negro
que a tolice vem preencher.

[Paul Valéry]

domingo, 22 de dezembro de 2013

Tô bem

 Ilustr.: Twin Flames
Tô me afastando de tudo que me atrasa, me engana, me segura e me retém.
Tô me aproximando de tudo que me faz completo, me faz feliz e que me quer bem.
Tô aproveitando tudo de bom que essa nossa vida tem.
Tô me dedicando de verdade pra agradar um outro alguém.
Tô trazendo pra perto de mim quem eu gosto e quem gosta de mim também.
Ultimamente eu só tô querendo ver o "bom" que todo mundo tem.
Relaxa, respira, se irritar é bom pra quem?
Supera, suporta, entenda: isento de problemas eu não conheço ninguém.
Queira viver, viver melhor, viver sorrindo e até aos cem.
Tô feliz, tô despreocupado, com a vida eu tô de bem.

[Caio Fernando Abreu]

sábado, 21 de dezembro de 2013

Pano Cru

Ilust.: Slava Fokk
O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade. A qualidade principal na prática da vida é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, a vontade. Ora há duas coisas que estorvam a acção - a sensibilidade e o pensamento analítico, que não é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade. Toda a acção é, por sua natureza, a projecção da personalidade sobre o mundo externo, e como o mundo externo é em grande e principal parte composto por entes humanos, segue que essa projecção da personalidade é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho alheio, o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir. Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade as personalidades alheias, as suas dores e alegrias. Quem simpatiza pára. O homem de acção considera o mundo externo como composto exclusivamente de matéria inerte - ou inerte em si mesma, como uma pedra sobre que passa ou que afasta do caminho; ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir, tanto faz que fosse homem como pedra, pois, como à pedra, ou se afastou ou se passou por cima.

[Fernando Pessoa, in 'O Livro do Desassossego']

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

E pronto

Ilustr.: Pierre Carrier-Belleuse
Agora não. Talvez daqui a uma hora, amanhã, depois de amanhã, mais tarde, mas agora não. Agora aguen­ta-te, finge que és forte, sorri ou, pelo menos, puxa os cantos da boca para cima: se mantiveres os olhos se­cos vão pensar que é um sorriso. Então basta pedir
- Com licença
e saíres. Quantos metros até à porta? Seis? Sete? Continua com os cantos da boca puxados para cima, caminha de lado se não tens espaço, vai pedindo
- Com licença
toca ao de leve costas, ombros
- Com licença
contorna esse homem gordo que te não ouviu
os homens gordos nunca ouvem
quatro metros, três metros, mais costas, mais ombros, a música mais intensa porque um amplificador mesmo em ci­ma de ti, já nem vês o bar, já nem vês a pista, vês cabeças, ca­ras, nenhum braço que te acene, te chame, cabeças que não tor­narás a ver, caras que nunca viste, o homem gordo ainda, a fi­car lá para trás, distante, duas costas, dois ombros e a porta, uma costas, uns ombros e a porta, nenhumas costas, nenhum ombros, a porta, ou seja a primeira porta, o bengaleiro a seguir, entrega a senha à empregada, recebe o casaco, agradece o ca­saco aumentando o sorriso
não soltes os cantos da boca
devias ter entregue uma moeda com a senha
entregaste?
a segunda porta, a rua, as pessoas que esperam para entrar e te olham com inveja, o segurança de braços afastados a impedir uma rapariga
- Um momento
pisca um olho ao segurança
pisca-se sempre um olho amigo ao segurança
cumprimenta-o
- Até amanhã
ou assim, tanto faz, não se entende com a música, aceita a palmadinha do segurança que afinal te conhece
- Tão cedo?
e as pessoas que esperam para entrar não somente com inveja, com respeito, hesitando quem serás, quem não se­rás, uma delas
a esperta
para o segurança, a apontar-te
- Sou prima desta tipa
o segurança a aumentar no interior da camisa
- Disse um momento não disse?
já quase ninguém, já ninguém, tu sozinha na esquina, procura as chaves do carro na mala entre os lenços de papel e os óculos escuros, deixaste o automóvel ali em baixo, na praceta, não esta travessa, a seguinte, a seguinte também não, havia um chafariz por aqui, depois da padaria fechada talvez
é uma padaria
que estes bairros antigos parecem-se todos, acanha­dos, estreitos, os caixotes do lixo a atravancarem o passeio pa­ra além do que os moradores deitam fora, uma cadeira, um fo­gão, um armário amolgado, aí está o chafariz no fim de contas não à esquerda, à direita, com uma luz municipal em cima, a coroa da monarquia, uma data na pedra
1845
nenhuma bica a deitar água, a praceta e o seu qua­drado de relva, o banco de madeira a que faltam duas ripas, um jipe e passando o jipe o teu carro, quando chegaste en­tre um jipe e uma furgoneta e agora entre um jipe e outro ji­pe, os dois tão unidos ao automóvel que vais gastar um sé­culo a torcer o volante, a avançar, a recuar, a tirá-lo de mo­do que bates devagarinho neste, bates devagarinho naquele, talvez desta vez
não, um avanço e um recuo ainda
um drogado fraternal a auxiliar a manobra, vasculhar na carteira
lenços de papel, óculos escuros, a agenda com a pá­gina do telefone do dentista solta
em busca de uma moeda para o drogado
a moeda que devias ter dado no bengaleiro
e o drogado a olhar-te sem olhar a moeda de forma que tranca o carro depressa, o estalido das portas e o drogado a troçar-te mas com os olhos sérios, a espalmar o nariz no vi­dro, a diminuir, inofensivo, à medida que avanças, becos, traves­sas, sentidos proibidos, onde se apanha a avenida, onde raio se apanhará a avenida, novos sentidos proibidos, uma camioneta de lavar a rua a impedir-te um caminho que pensas conhecer, uma seta a obrigar-te a contornar uma estátua que não é bem uma estátua, é metade de um homem a emergir de um calhau e nisto, sem que dês conta, o rio, armazéns, contentores, uma espécie de guarita e perto da guarita os pescadores da noite jo­gando linhas ao Tejo, o cheiro do gasóleo, o cheiro da vazante, percebes a água por reflexos, escamas, não necessitas de sorrir nem de puxar os cantos da boca, inclina um bocadinho o ban­co, acomoda-te melhor, liga o rádio, experimenta um cigarro e a página do telefone do dentista a surgir da carteira juntamen­te com o maço
não apenas o dentista, Diná, David, Duarte
um papelinho amarelo colado por baixo do telefone a lembrar-te
quarta-feira onze
a consulta, guarda a página, se não achas o isqueiro tens o isqueiro do carro, empurra-se e daqui a nada salta com a ponta vermelha, não gostas do isqueiro do carro porque o ta­baco queimado fica preso aos aneizinhos em brasa, um dos pes­cadores procura isco na alcofa, os morros de Almada, uma paz tão grande não é, um sossego lento não é, uma calma não é, a tristeza a dissolver-se, fecha os olhos, descansa, e vais ver que daqui a nada já não te lembras que acabámos, daqui a nada já nem te lembras de mim.

[António Lobo Antunes, in Visão, 23 /05/02]

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Saudade

Ilustr.: Elina Ellis


Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
Saudade é amar um passado
que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

[Pablo Neruda]

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Acordo de noite

Ilustr.: Cécile Vallée / Les toiles d'Az
Acordo de noite subitamente,
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a Natureza lá fora.
O meu quarto é uma cousa escura com paredes vagamente brancas.
Lá fora há um sossego como se nada existisse.
Só o relógio prossegue o seu ruído.
E esta pequena cousa de engrenagens que está em cima da minha mesa
Abafa toda a existência da terra e do céu...
Quase que me perco a pensar o que isto significa,
Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca
Porque a única cousa que o meu relógio simboliza ou significa
Enchendo com a sua pequenez a noite enorme
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com a sua pequenez...

[Alberto Caeiro, in 'O Guardador De Rebanhos', 07-05-1914]

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Inacabado

Ilustr.: Alexa Meade


Ela saiu, não sorriu, mal me olhou, mas deixou ficar
O nosso amor pelo chão para eu arrumar
Deixou a dor a correr e a saudade na nossa mesa
Deixou o amor por fazer e a tristeza no ar.

[Paulo de Carvalho]

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Passo certo

Ilust: Lucelle Raad





Sei de cada passo que dei,
talvez nem todos tenham sido necessários,
mas todos foram úteis de alguma forma.

[Fernanda Almeida]

domingo, 15 de dezembro de 2013

Dádiva

Ilustr.: Donald Zolan



Da vida não quero muito.
Quero apenas saber que
tentei tudo o que quis,
tive tudo o que pude,
amei o que valia a pena
e perdi apenas o que,
no fundo, nunca foi meu...

[Carla de Paula]


sábado, 14 de dezembro de 2013

Indignação



Só há duas opções nesta vida:
resignar-se ou indignar-se.
E eu não me vou resignar nunca.

[Darcy Ribeiro]


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Sabes do que falo

Ilustr.: Chanelle Kotze


Não cheguei a dizer a palavra que pediste.
O nada que roubámos à cauda de outros passos.
Agora tudo está diferente.
Som algum pontua o chão da noite, os suspiros há muito deixaram de ser perene abrigo.
Limitei-me a perseguir sombras certeiras, vozes, afinal, que decidimos abandonar.
Sabes do que falo.
E isso bastará.

[Ricardo Gil Soeiro, in 'Da Vida das Marionetas']

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Corpo e mente

Ilustr.: Alberto Pancorbo




Eu quero mesmo é alguém que faça meu corpo querer companhia nos momentos em que minha mente insiste pela solidão.

[Caio Abreu]

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Orgulho

Ilustr.: Sedova Tatiana





O orgulho não quer dever e
o amor próprio não quer pagar.

[François La Rochefoucauld]


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Abraço

Ilust.: HJ Story






Aquele abraço era o lado bom da vida,
mas para valorizá-lo eu precisava viver.
E, que irónico: para viver eu precisava perdê-lo...

[Tati Bernardi]


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Antes de tudo

Fonte: http://www.pinterest.com/illustratorerik/moon-and-stars/
Um curto e sincero devaneio, escrito por um adolescente num sábado frio e comum, mais um sábado.

Hoje, pude perceber, que assim como todo o mundo, eu tenho o direito e o dever de ser feliz. O direito, porque posso, assim como qualquer um, correr atrás dos meus sonhos, e torná-los reais. O dever, porque também sei, que assim como EU quero ser feliz, outras pessoas querem ver minha felicidade, e que ser feliz, os deixará consequentemente felizes também. Cansei de amar pela metade, de viver pela metade, a partir de hoje eu prometo a mim mesmo, e aos meus amigos, aos que vivem comigo diariamente, que serei melhor, cada dia melhor, cansei de quem não me quer bem, de quem não pode me fazer feliz.

Vou gostar de mim antes de tudo, gostar de quem gosta de mim, de quem está à minha volta, quanto ao resto... eu apenas desejo muita sorte, e que você encontre o mesmo caminho que eu encontrei, o caminho de se aceitar, de se querer bem, o caminho do amor próprio.

Pessoas deixam marcas em nossas vidas, e isso não é por acaso, cada pessoa que entra na nossa vida, não passa por acaso, sempre tem algo a ensinar-nos, e connosco a aprender.

Mas, devo ressaltar, que hoje, encarando-me das maneiras mais estranhas e constrangedoras possíveis perante o espelho, pude perceber...

A única pessoa que pode determinar que rumos minha vida tomará, quão felizes ou tristes eles serão, estava na minha frente...

- Essa pessoa sou eu.

[Kayque Meneguelli]

domingo, 8 de dezembro de 2013

Fragmentos de um Amor

Ilustr.: 'Pintrest'
Na minha mente, tua lembrança
No meu coração, teu amor
No meu corpo, tuas mãos
No meu desejo, teu calor.

Na minha vida, teu rastro
Nos meus sonhos, tua imagem
Nos meus olhos, teu olhar
No meu peito, tua saudade.

Na minha dança, teu molejo
Na minha pele, teu cheiro
Na minha boca, teu gosto
No meu paladar, teu tempero.

Nos meus ouvidos, tua música
Nas madrugadas, tua presença
Na minha fantasia, tua espera
No meu lado, tua ausência!

[Linda Edwards]

sábado, 7 de dezembro de 2013

Tenho medo

Ilustr.: Margarita Sikorskaia
— De onde tu és? — perguntou Deolinda.
— Sou da Guarda.
Ingénua malícia no olhar, ela sussurrou no ouvido de Sidónio Rosa:
— Tu és o meu anjo-da-guarda.
O riso dela ganhou espessura, inundando-lhe o corpo. Depois, o corpo já não lhe bastava e ela se encostou nele. O português viu as suas defesas desmoronarem. Os braços dele envolveram-na, a medo. Quando deram conta, estavam enleados, sem saber que parte pertencia a um e a outro. A Praça do Rossio, em Lisboa, ficou, de repente, despovoada. Um homem e uma mulher trocavam beijos e o seu amor desalojava a cidade inteira.
— Tens medo de fazer amor comigo?
— Tenho — respondeu ele.
— Por eu ser preta?
— Tu não és preta.
— Aqui, sou.
— Não, não é por seres preta que eu tenho medo.
— Tens medo que eu esteja doente…
— Sei prevenir-me.
— É porquê, então?
— Tenho medo de não regressar. Não regressar de ti.
Deolinda  franziu  o  sobrolho.  Empurrou  o  português  de  encontro  à  parede,  colando-se  a  ele.  Sidónio  não  mais regressaria desse abraço.
— Que olhar é meu nos olhos teus?
Nessa noite se solveram, mãos de oleiro, salvando o outro de ter peso. Nessa noite o corpo de um foi lençol do outro.
E ambos foram pássaros porque o tempo deles foi antes de haver terra. E quando ela gritou de prazer o mundo ficou cego: um moinho de braços se desfez ao vento. E mais nenhum destino havia.
— Amar — disse ele — é estar sempre chegando.
Um  ano  depois,  sentado  sobre  um  banco  de  pedra,  o  português  sente  estar  ainda  chegando  a Vila Cacimba enquanto convoca as memórias do encontro com a mulata Deolinda. O que faltava, agora, para que ele se sentisse já chegado?

[Mia Couto, in 'Venenos de Deus, Remédios do Diabo', cap. 12]

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Hear me, feel me

Healed (healed), or are you still just reeling?
Are you fine (fine)? Have you found
A way to escape?
Are you here (here) just because I need you?
Can we hole up, a big freeze
Is heading our way?

We are on a hiding to nowhere
We still hope (hope), but our dreams
Are not the same, no
And I, I lost before I started
I'm collapsing in stellar clouds of gas

Hear me
What words just can't convey
Feel me
Don't let the sun in your heart decay

Fight (fight) or will you show me mercy (mercy)?
We've expelled (expelled), the goodness
From our hearts (hearts)
Are you here (here), just to prove you're winning?
Can you hole up, and ride out this
Electrical storm?

We destroyed something beautiful
We have faith (faith), but our truths
Are not the same, no
Don't give up (up), don't let the magic leave us (leave us)
Stop the loneliest force becoming
King of the universe

Hear me
What words just can't convey
Feel me
Don't let the sun in your heart decay

Don't give up, don't let the magic leave us
We're collapsing in stellar clouds of gas

Hear me
What words just can't convey
Feel me
I won't let the sun in your heart decayar clouds of gas

Hear me
What words just can't convey
Feel me
I won't let the sun in your heart decay

[Muse, Big Freeze, 2012]


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Invictus

Ilustr.: Don Bell

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

[William Ernest Henley]

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Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por minh’alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.

Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.

Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

[William E Henley / Tradução: André C. S. Masini]

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Serenidade

Ilustr.: Ruth Morehead
Concede-me, Senhor,
a Serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar;
a Coragem para modificar as que posso e
a Sabedoria para distinguir umas das outras.

Vivendo um dia de cada vez,
Desfrutando um momento de cada vez,
Recebendo as dificuldades como um caminho para alcançar a paz,
Aceitando, como Jesus fez, o mundo pecador tal como é, e não como gostaria que fosse,
Confiando que o Senhor fará bem todas as coisas se eu me render à Sua vontade,
Para que eu possa ser moderadamente feliz nesta vida
e supremamente feliz com Ele,
e para sempre, na próxima.
Amem.

[Reinhold Niebuhr, 1943]


terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A razão e a pele

Ilustr.: Cécile Vallée / Les toiles d'Az
Quem faz uma vez, não faz duas necessariamente, agora, quem faz duas, com certeza faz três!

E não existe método algum, não existe explicação. Sempre que a batalha entre a razão e a pele é travada, não há como questionar! A pele ganha sempre no primeiro round.
Você pode-se afastar de todos, família, amigos, conhecidos, namoradas(os), e até de seus inimigos, se é que você tem algum.

A questão é que depois de um tempo, você simplesmente percebe que não há como fugir ou se esconder do mundo. A verdade é que...
Não é você que vive no mundo, é o mundo que vive em você.

Seus sentimentos, suas escolhas e atitudes, todas elas vão sendo moldadas todos os dias por acontecimentos corriqueiros.

Então, veja por outro ângulo, você não é resultado das suas escolhas, você é resultado de acontecimentos que antecedem as  suas escolhas, elas são simplesmente, diria, 'métodos empíricos' de descobrir se nós estamos certos, ou se os outros é que estão certos.

A pergunta querer, e não ser certo, torna-se um paradoxo para uma grande maioria, o caminho mais fácil nem sempre é o que nós buscamos. Nem sempre é o que mais nos agrada e encanta.

Portanto, busque, busque os seus caminhos, mas cuidado, não magoe ninguém nessa procura.

[Kayque Meneguelli]

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Civilização

Ilustr.: Viviana González




Entre os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde.
Nós civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, aleijados e doentes... Assim os membros fracos da sociedade civilizada propagam a sua espécie.
Ninguém que tenha observado a criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente prejudicial à raça humana...

[Charles Darwin]

domingo, 1 de dezembro de 2013

Urgência de Abraços

Ilustr.: George Tooker
Há cada vez mais uma enorme urgência de abraços
abraços que abriguem olhares cansados
abraços que respirem profundamente as dores alheias

abraços que bebam lágrimas e palavras (in)contidas

Há cada vez mais uma enorme urgência de abraços
abraços que transportem esperança e serenidade
abraços que levem sorrisos e sílabas quentes
abraços que guardem em si todos os futuros do amanhã
abraços que curem e que amem e que respeitem

Há cada vez mais uma enorme urgência de abraços
abraços que libertem e ousem outros abraços
abraços que respirem e deixem poemas nos outros abraços
abraços que congreguem todos os afectos
abraços que silenciem tristezas e deixem abraços abertos
abraços que se fechem nos outros abraços
abraços que se confundam e se tatuem e se fundam noutros abraços

Há cada vez mais uma enorme urgência de abraços !

[António Barroso Cruz]

sábado, 30 de novembro de 2013

Ausência

Ilustr.: Alberto Pancorbo


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

[Carlos Drummond de Andrade]

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Vontade de ficar

Ilustr.: Marion Arbona
Durante a nossa vida:
Conhecemos pessoas que vêm e que ficam,
Outras que vêm e passam.
Existem aquelas que vêm, ficam e depois de algum tempo se vão.
Mas existem aquelas que vêm e se vão com uma enorme vontade de ficar...

[Charles Chaplin]

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

79º Aniversário

Ilustr.: Andrei Belichenko



Se fosse possível descobrir o primeiro e verdadeiro germe de todos os afectos elevados e de todas as acções honestas e generosas de que nos orgulhamos, encontrá-lo-íamos quase sempre no coração da nossa mãe.

[Edmondo Amicis]

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A melhor sensação do mundo

Ilustr.: Valeria Docampo
Quanto mais sentimentos você guardar, mais sobrecarregado fica. Ainda mais se tratando daqueles que só servem para isso, sobrecarregar.
Achamos sempre que somos especiais na vida de alguém, mas na verdade, às vezes, só estamos servindo para tapar buracos. Curamos as feridas do outro, cuidamos das suas dores, e quando ele, enfim consegue ficar de pé, vai embora.
- E nós?
Nós sentamos, e esperamos que outra pessoa apareça e faça o mesmo conosco, cuide de nossas feridas. É um ciclo!
Por quantas enfermeiras você já passou? Quantos curativos você já fez? Ou, quantos foram necessários serem feitos por sua causa?

Promova o Desapego, não torça para que algo aconteça, não espere, absolutamente não espere. Não se desespere.
O amor é irracional, deixa-nos cegos, uma pessoa só fica perfeita, quando você se apaixona por ela.
Já não conto os minutos para ver a pessoa amada, quando o momento chegar, apenas farei com que seja perfeito, memorável.
Não me perco em seus olhos, não mais. Suas palavras se tornaram normais, já não me afetam como antes.

Você não sabe ao certo quando começa a “desamar” alguém, o primeiro passo, penso que seja a raiva, pois ela é passageira qual ventania. Diferente da mágoa, que perdura. Fica alojada.

Não há nada mais curativo, do que o bálsamo do esquecimento, nesse ponto, você passará a lembrar seus desamores não com lágrimas, e sim com sorrisos nostálgicos.

Não haverá amor como antes?

Que seja assim, o mundo com seus infinitos encontros lhe proporcionará outros, diferentes.
Uma vez disseram-me que se você corre do amor, ele não consegue chegar até você. Consequentemente eu discordei, o amor que o outro sente pode até demorar, mas e o seu? O amor que você guarda para si mesmo?

Ele sempre esteve aí, guardado, a sociedade afirma que você é metade da laranja, mas você é a fruta toda “você tá podendo”.

Foi num dia desses, um dia qualquer, que eu pude perceber e entender, enquanto eu não acho ninguém para me amar, eu vou me amando, me cuidando.

E isso? Há, isso é a melhor sensação do mundo. Apaixone-se por você mesmo, só assim poderá causar o mesmo efeito em alguém.

[Kayque Meneguelli]

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Identidade

Ilustr.: Adrian Waggoner
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

[Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho e Outros Poemas']

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Para entender uma mulher

Ilustr.: Ricardo Celma
Para entender uma mulher
é preciso mais que deitar-se com ela
Há de se ter mais sonhos e cartas na mesa
que se possa prever nossa vã pretensão

Para possuir uma mulher
é preciso mais do que fazê-la sentir-se em êxtase
numa cama, em uma seda, com toda viril possibilidade…
Há de se conseguir fazê-la sorrir antes do próximo encontro

Para conhecer uma mulher, mais que em seu orgasmo, tem de ser mais que amante perfeito
Há de se ter o jeito certo ao sair, e
fazer da saudade e das lembranças, todo sorriso

- O potente, o amante, o homem viril, são homens bons, bons homens de abraços e passos firmes
bons homens pra se contar histórias
Há, porém, o homem certo, de todo instante: O de depois!

Para conquistar uma mulher,
mais que ser este amante, há de se querer o amanhã,
e depois do amor um silêncio de cumplicidade
e mostrar que o que se quis é menor do que o que não se deve perder.

É esperar amanhecer, e nem lembrar do relógio ou café… Há que ser mulher, por um triz e, então, ser feliz!

Para amar uma mulher, mais que entendê-la,
mais que conhecê-la, mais que possuí-la,
é preciso honrar a obra de Deus, e merecer um sorriso escondido, e também ser possuído e, ainda assim, também ser viril

Para amar uma mulher, mais que tentar conquistá-la,
há de ser conquistado, todo tomado e, com um pouco de sorte, também ser amado!

[Carlos Drummond de Andrade]

domingo, 24 de novembro de 2013

Eu penso em ti

Ilustr.: Alberto Pancorbo




Eu penso em ti, ainda mais do que te digo,
e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso,
tu és a grande razão,
o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim.

[António Mega Ferreira]

sábado, 23 de novembro de 2013

Beijo

Ilustr.: Jana Magalhães
Beijo na face
Pede-se e dá-se:
             Dá?

Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
             Vá!

Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
             Dá?

A borboleta
Beija a violeta:
             Vá!

Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
             Dá?

Teme que a tente?
É inocente...
             Vá!

Guardo segredo,
Não tenha medo...
             Vê?

Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
             Dê!

*

Como ele é doce!
Como ele trouxe,
             Flor,

Paz a meu seio!
Saciar-me veio,
             Amor!

Saciar-me? louco...
Um é tão pouco,
             Flor!

Deixa, concede
Que eu mate a sede,
             Amor!

Talvez te leve
O vento em breve,
             Flor!

A vida foge,
A vida é hoje,
             Amor!

Guardo segredo,
Não tenhas medo
             Pois!

Um mais na face,
E a mais não passe!
             Dois...

*

Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas...
             Vês?

Quantas pessoas
Tem a Trindade?
             Três!

Três é a conta
Certinho, e justa...
             Vês?

E que te custa?
Não sejas tonta!
             Três!

Três, sim: não cuides
Que te desgraças:
             Vês?

Três são as Graças,
Três as Virtudes;
             Três.

As folhas santas
Que o lírio fecham,
             Vês?

E não o deixam
Manchar, são... quantas?
             Três!

[João de Deus, in 'Campo de Flores']

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Apaixone-se

Ilustr.: Alberto Pancorbo

Apaixone-se por alguém que te compreenda mesmo na loucura, por alguém que te ajude, que te guie, que seja um apoio, uma esperança.
Apaixone-se por alguém que volte a falar contigo depois de uma briga, que seja tua companhia.
Apaixone-se por alguém que sinta tua falta e que queira estar contigo.
Não se apaixone por um rosto, por um corpo, ou pela ideia de estar apaixonado.

[Aglair Grein]

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Poderia ter sido

Ilustr.: Silvia Crocicchi







Mas existe verdadeiramente outro rumo?
Na verdade, só existe a direção que tomamos.
O que poderia ter sido já não conta.

[Mario Benedetti]

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sonhos

Ilustr.: Valeria Docampo

Teria passado a vida
atormentado e sozinho
se os sonhos me não viessem
mostrar qual é o caminho

umas vezes são de noite
outras em pleno de sol
com relâmpagos saltados
ou vagar de caracol

quem os manda não sei eu
se o nada que é tudo à vida
ou se eu os finjo a mim mesmo
para ser sem que decida.

[Agostinho da Silva]

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Os Dias Bons

Ilustr.: Margarita Sikorskaia
Os dias bons são os dias em que se acorda, tendo dormido oito, nove ou, melhor ainda, dez horas e, reflectindo naquela ronha de quem já não consegue dormir mais mas gosta de ficar na cama (porque a temperatura e a companhia são perfeitas), se lembra que não tem nada para fazer, senão tomar o pequeno-almoço, o almoço, o chá e o jantar. E, se quiser, entretanto, nalgum intervalo qualquer, trabalhar, tanto melhor. Mas não importa. Dias de domingos antigos: dias de prazer sem saber.
Os dias bons nunca acontecem. Acontecem, quando muito, cinco ou dez mil vezes numa vida. Três míseros anos já têm mais de mil. Domingo, daqui a uma semana, terei a sorte nunca tida de estar casado e feliz com a Maria João há 12 anos. Doze anos cheios de dias bons, impossíveis de contar.
O amor, para quem é mais novo e não sabe como fazer, não é uma técnica ou uma táctica. Não há segredo. Não há lições. Ou se ama ou não se ama. Ou se é também amado ou não se é. Esperar é o melhor conselho. Experimentar é o pior. O segredo não é ter paciência: é conseguir manter a impaciência num estado de excelsitude. É como o «nunca mais é domingo». Se não sentirmos, todos os dias, que nunca mais é domingo, quando chegar o domingo parecer-se-á com outro dia qualquer.
Os dias bons não são os que ficam para lembrança. São aqueles que se esquecem, porque se repetem na mais estúpida felicidade mas que, todos juntos, servirão para um dia eu poder dizer «sim, eu já fui feliz».

[Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público' (23 Setembro 2012)]

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Não posso morrer

Ilustr.: Alberto Pancorbo

Só tenho vinte e sete anos, não é idade de se morrer. Não, quero mais muitos anos. Vou fazer tanta falta para alguém. Vou deixar tanta coisa por fazer. Vinte e sete é muito cedo: não posso morrer.

Um puxão no gatilho e já era. Um tropeção na bordinha. Atropelado na estrada, engasgado com osso de galinha, esfaqueado, acidentado, doente, traído… Tantas formas de morrer que me admiro ainda estar vivo.

Pensando bem, não sei meu prazo. Não me sinto pronto. Será que um dia me sentirei? Quem precisa estar pronto para morrer? Morrer é tão fácil – todos vamos morrer.

Aos dez na escola, aos vinte na faculdade, aos trinta no trabalho, aos quarenta casado, aos cinquenta com filhos, aos sessenta aposentado, aos setenta avô, aos oitenta descansando. Com noventa, lamentamos quem se for. Aos cem já é hora extra! Mais do que isso dá no jornal. Todas essas coisas da vida estão na história dos outros, não na minha. Não ainda. Todas as minhas aspirações, os sonhos, os planos, todos são cópias de vidas já vividas.

Não posso morrer.

E se eu morrer?

A morte será o fim de todas as coisas para mim: dos amigos e inimigos, dos doces e refrigerantes, dos videogames, dos amores, dos cometas, das frustrações, das preocupações, das batatas, das alegrias, das guerras e dos dinossauros.

Ela vai me tirar tudo, vai mudar tudo para nada. Eu não posso, não quero morrer!

Sem a morte, resta a eternidade. Viver para sempre, poder sempre contar com o amanhã. E com o depois de amanhã. E com o depois de depois de amanhã. E saber que não importa quanto tempo passe, eu ainda mal comecei.

Com tempo ilimitado, posso fazer tudo. Posso conhecer todos os lugares, ler todos os livros, ver todos os filmes, jogar todos os jogos, praticar todos os desportos, pedir todos os sabores de pizza. Serei sábio, habilidoso, experiente.

Nenhum desafio me intimidará se não tiver a morte para encerrar minhas tentativas. As escolhas não serão tão importantes, eu vou ter tempo para viver todas as experiências.

Mas se as escolhas não são importantes, também não há satisfação em tomar a correta. Não há frustração em tomar a errada. Não haverão consequências que não possam ser revertidas. Em algum momento, nada será inédito, nada vai surpreender. Nada vai me desafiar, nada vai me entreter, nada vai me doer e nada vai me aliviar.

A vida dividida num tempo infinito tende a zero. É simples como na matemática.

A eternidade é o único castigo do qual não poderíamos escapar – só pensar nela já faz eu querer me matar.

Morte, conto com você.

[Diego Moreno Quinteiro, in 'diegoquinteiro: pensamentos, idéias e bobagens']

domingo, 17 de novembro de 2013

Butterfly

Ilustr.: cporter1980's Fairy Wallpaper

Sou exatamente como as borboletas,
Acho que em outras vidas, já fui uma delas
Tenho meus momentos de  casulo
de metamorfose
e de liberdade para voar
Hoje, encontro-me  no casulo
E não sinto vontade de falar
Talvez o amanhã, me traga o desejo de voar!!

[Vanya Moreira]

sábado, 16 de novembro de 2013

Amigos

Ilustr.: Virginia Palomeque




Os amigos não morrem:
andam por aí, entram por nós dentro quando menos se espera e então tudo muda:
desarrumam o passado, desarrumam o presente, instalam-se com um sorriso num canto nosso e é como se nunca tivessem partido.
É como, não: nunca partiram.

[António Lobo Antunes]

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Justiça

Ilustr.: Stanley Spencer



Justiça:
mais vale deixar-se roubar do que usar espantalhos;
tal é o meu gosto.
E é sempre questão de gosto,
nada mais além de questão de gosto.

[Friedrich Nietzsche]

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Onde começa a boca?

Ilustr.: Alberto Pancorbo


Onde começa a boca?
no beijo?
no insulto?
na mordiscadela?
no grito?
no bocejo?
no sorriso?
no assobio?
na ameaça?
no gemido?
que te fique bem claro
que onde acaba a tua boca
aí começa a minha.

[Mario Benedetti]

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Subfelicidade

Ilustr.: Beatriz Hidalgo De La Garza

O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade.
A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar.
Mas a infelicidade não é o que mais dói.
A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.

O que mais dói é a subfelicidade.
A felicidade mais ou menos, a felicidade que não se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade.
A subfelicidade não magoa – vai magoando; a subfelicidade não martiriza – vai martirizando.
Não é intensa – mas é imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silêncio, em surdina, em anonimato. Como se não fosse.
Mas é: a subfelicidade é.
A subfelicidade faz-te ficar refém do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que não tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre à mão de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar.
A subfelicidade é o piso -1 da felicidade. E não há elevador algum que te leve a subir de piso.
Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas.
Anda daí.

Sair da subfelicidade é um drama. Um pesadelo. Sair da subfelicidade é mais difícil do que sair da infelicidade.
Para sair da infelicidade, toda a gente sabe – tu mesmo o sabes: tens de tomar medidas drásticas. Medidas radicais. Porque a infelicidade é, também ela, radical.
Mas sair da subfelicidade é uma batalha interior muito mais dolorosa. Desde logo, porque não sabes se queres, mesmo, sair da subfelicidade. Porque é na subfelicidade que consegues ter a certeza de que evitas a desilusão – terás, no máximo, a subdesilusão; porque é na subfelicidade que consegues ter a certeza de que evitas a perda – terás, no máximo, a subperda.

Estás a ficar perdido com o que te digo? A subfelicidade é o produto mais diabólico que a humanidade criou. A subfelicidade é resultado da mente, também ela diabólica, de quem tem consciência. Para um cão, para um gato, para um periquito, para um leão ou até para uma formiga, não existe a subfelicidade: a felicidade pacífica. Impossível: ou está feliz porque tem comida e bebida, ou está infeliz porque nada tem para comer ou nada tem para beber. Os animais, por mais cores que os olhos lhes dêem a ver, vêem o mundo a preto e branco . Ou é preto ou é branco. Ou é feliz ou infeliz. Ou é tudo ou é nada.
O humano, esse, foi mais longe. E foi por isso que ficou, cada vez mais, refém do que está perto – do que está seguro. Formatado pela consciência, o homem assimilou um conceito que, na verdade, não existe: o da felicidade segura.
Espero que estejas bem seguro nessa cadeira quando leres o que aí vem no próximo parágrafo.

A felicidade segura não existe. A felicidade segura é segura, sim – mas não é felicidade. A felicidade pacífica é pacífica, sim – mas não é felicidade. A felicidade, quando é felicidade, assolapa, euforiza, arrebata. E não deixa respirar, e não deixa sequer pensar.
A felicidade, quando é felicidade, é só felicidade. E tudo o que existe, quando existe felicidade, é a felicidade. Só ela e tu. Ela em ti. Ela em todo o tu. A felicidade, para ser felicidade, não tem estratos, não tem razão. Ou é ou não é. A felicidade é animal, de facto – mas é ainda mais demencial. Deixa-te louco de felicidade, maluco de alegria, passado dos cornos.
Só quando estás dentro da felicidade é que estás fora de ti. Liberto do corpo, da matéria, da sensação – e imerso naquela indizível comunhão. Tu e a felicidade. Já a sentiste, não?
Não há como dizer de outra maneira: se estás acomodado à subfelicidade, se tens medo de ser feliz e preferes a certeza de seres subfeliz: és um triste de todo o tamanho.
A subfelicidade é uma tristeza. Uma tristeza de hábitos, de rotinas, de sorrisos – uma tristeza que inibe a surpresa, o imprevisível, a gargalhada. Uma tristeza que te faz refém do que fazes e te impede de te seres o que és.
Olha em redor: a toda a volta há pessoas subfelizes, pessoas que dizem “vai-se andando”, pessoas que dizem “tem de ser”, pessoas que dizem “eu até gosto dele”, pessoas que dizem “sou feliz” com os olhos cheios de “queria ser feliz”, pessoas que dizem “é a vida”. Mas não é.
A vida não é a quase felicidade. A vida não é a subfelicidade.
E, se é a primeira vez que vês isso, fica entendido o que sentes. Ou subentendido, pelo menos.

[Pedro Chagas Freitas]

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Perdoar e Esquecer

Ilustr.: Ricardo Celma
Perdoar e esquecer equivale a jogar pela janela experiências adquiridas com muito custo. Se uma pessoa com quem temos ligação ou convívio nos faz algo de desagradável ou irritante, temos apenas de nos perguntar se ela nos é ou não valiosa o suficiente para aceitarmos que repita segunda vez e com frequência semelhante tratamento, e até de maneira mais grave.
Em caso afirmativo, não há muito a dizer, porque falar ajuda pouco. Temos, portanto, de deixar passar essa ofensa, com ou sem reprimenda; todavia, devemos saber que agindo assim estaremos a expor-nos à sua repetição.
Em caso negativo, temos de romper de modo imediato e definitivo com o valioso amigo ou, se for um servente, dispensá-lo. Pois, quando a situação se repetir, será inevitável que ele faça exactamente a mesma coisa, ou algo inteiramente análogo, apesar de, nesse momento, nos assegurar o contrário de modo profundo e sincero. Pode-se esquecer tudo, tudo, menos a si mesmo, menos o próprio ser, pois o carácter é absolutamente incorrigível e todas as acções humanas brotam de um princípio íntimo, em virtude do qual, o homem, em circunstâncias iguais, tem sempre de fazer o mesmo, e não o que é diferente. (...) Por conseguinte, reconciliarmo-nos com o amigo com quem rompemos relações é uma fraqueza pela qual se expiará quando, na primeira oportunidade, ele fizer exactamente a mesma coisa que produziu a ruptura, até com mais ousadia, munido da consciência secreta da sua imprescindibilidade.

[Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida']