quarta-feira, 30 de abril de 2014

Tu tens um medo

Ilustr.: Viviana Gonzallez
Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.

[Cecília Meireles]

terça-feira, 29 de abril de 2014

Por amor


Ilustr.: Lauri Blank






Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal.

[Nietzsche]

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Um mundo melhor

Ilustr.: Denis Nunez Rodriguez

Cada um tem de mim exatamente o que cativou,
e cada um é responsável pelo que cativou,
não suporto falsidade e mentira,
a verdade pode machucar,
mas é sempre mais digna.

[Charles Chaplin]

domingo, 27 de abril de 2014

Encruzilhadas

Ilustr.: Denis Nunez Rodriguez

Viver é uma caminhada e tanto,
não tem essa colher de chá de seleccionar onde descer.
É preciso passar por tudo: pelo desânimo, pela desesperança, pela sensação de fracasso e fraqueza, até que a gente consiga chegar a uma praça arborizada onde iniciam outras dezenas de ruas, outras tantas passagens... e a gente segue caminhando, segue caminhando...

[Martha Medeiros]

sábado, 26 de abril de 2014

Irrealidade

Ilustr.: Pierre Carrier-Belleuse

Minha vigília é anfiteatro
que toda a vida cerca, de frente.
Não há passado nem há futuro.
Tudo que abarco se faz presente.

Se me perguntam pessoas, datas,
pequenas coisas gratas e ingrata,
cifras e marcos de quando e de onde,
- a minha fala tão bem responde
que todos crêem que estou na sala.

E ao meu sorriso vós me sorris…
Correspondência do paraíso
da nossa ausência
desconhecida
e tão feliz.

[Cecília Meireles]

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Nada de mais ou menos

Ilustr.: Beatriz Hidalgo De La Garza
Não sinto nada mais ou menos, ou eu gosto ou não gosto. Não sei sentir em doses homeopáticas.
Preciso e gosto de intensidade, mesmo que ela seja ilusória e se não for assim, prefiro que não seja.
Não me apetece viver histórias medíocres, paixões não correspondidas e pessoas água com açúcar.
Não sei brincar e ser café com leite. Só quero na minha vida gente que transpire adrenalina de alguma forma, que tenha coragem suficiente para me dizer o que sente antes, durante e depois ou que invente boas estórias caso não possa vivê-las. Porque eu acho sempre muitas coisas - porque tenho uma mente fértil e delirante - e porque posso achar errado - e ter que me desculpar - e detesto pedir desculpas embora o faça sem dificuldade se me provarem que eu estraguei tudo achando o que não devia.
Quero grandes histórias e estórias, quero o amor e o ódio, quero o mais, o demais ou o nada.
Não me importa o que é de verdade ou o que é mentira, mas tem que me convencer, extrair o máximo do meu prazer e me fazer crer que é para sempre quando eu digo convicto que "nada é para sempre."

[Gabriel García Marquez]

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Desgaste

Ilustr.: Amjad Rasmi



Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

[Eugénio de Andrade]

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Egotismo Social

Ilustr.: Hugo Urlacher




A minha opinião é que nós temos de nos emprestar aos outros, mas apenas nos darmos a nós mesmos.

[Michel de Montaigne]

terça-feira, 22 de abril de 2014

Equívocos

Ilustr.: Ricardo Celma




Fazemos ordinariamente mais festa às pessoas que tememos do que àquelas a quem amamos.

[Marquês de Maricá]

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Não basta...

Ilustr.: Christian Schloe

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

[Alberto Caeiro]

domingo, 20 de abril de 2014

Esperança

Ilustr.: Anthea Whitworth



A esperança é cheia de confiança.
É algo maravilhoso e belo, uma lâmpada iluminada em nosso coração.
É o motor da vida.
É uma luz na direção do futuro.

[Conrad de Meester]

sábado, 19 de abril de 2014

Providência

Ilustr.: Paul Knight



E, clamando Jesus com grande voz, disse:
Pai, nas tua mãos entrego o meu espírito.
E, havendo dito isto, expirou.

[Lucas, 23:46]

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Solidão






E, desde a hora sexta, houve trevas sobre toda a terra, até a hora nona.
Cerca da hora nona, bradou Jesus em alta voz, dizendo:
Eli, Eli, Lama Sabactani: isto é, Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?

[Mateus, 27:46]

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Saudade tua, beijo meu

Ilustr.: HJ Story




Trocaria a memória de todos os beijos que me deste por um único beijo teu.
E trocaria até esse beijo pela suspeita de uma saudade tua,
de um único beijo que te dei.

[Miguel Esteves Cardoso]

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Marasmo

Ilustr.:





Ainda sabemos cantar, só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos, mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.
Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude.

[Eugénio de Andrade]

terça-feira, 15 de abril de 2014

Armados de Amor

Ilustr.: Gabriel Pacheco

Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome.

Este amor é de guerra. (De arma branca)
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca
Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas
e em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.

[Manuel Alegre]

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Ponto G

Ilustr.: Chanelle Kotze





As mulheres gostam que lhes digam palavras de amor.
O ponto G está nos ouvidos.
Inútil procurá-lo em outro lugar.

[Erika Antonelli]

domingo, 13 de abril de 2014

Ciência

Ilustr.: Ronald Companoca

A admiração é filha da ignorância,
porque ninguém se admira senão das coisas que ignora, principalmente se são grandes;
e mãe da ciência,
porque admirados os homens das coisas que ignoram,
inquirem e investigam as causas delas até as alcançar,
e isto é o que se chama ciência.

[Padre António Vieira]

sábado, 12 de abril de 2014

Decepção e tristeza

Ilustr.: Chiara Fersini

Na minha opinião, a decepção é o sentimento mais amargo que uma pessoa pode sofrer.  Ele só não fere mais que a tristeza. Aliás, a tristeza é o pior dos sentimentos. Primeiro porque o próprio nome a delata; e, segundo, porque se trata de um sentimento composto de ingredientes, o qual a própria decepção, muitas vezes, está presente em seu tempero.
Cá entre nós, a decepção é cruel. Ela representa a surpresa desagradável, o inesperado, aborda a alma de súbito e de forma negativa. A tristeza também causa tudo isso? Sim, claro que sim, mas a decepção é mais nua, é mais explícita. É simples chegar a essa conclusão: na decepção existe um investimento e com isso jamais esperamos resultados negativos, enquanto que a tristeza apenas chega.
Não investimos na tristeza, pois isso seria um planejamento estúpido. Ela chega de surpresa, sabemos que a qualquer momento ela pode nos surpreender, embora jamais estejamos preparados para ela, assim como a morte, que é nossa única certeza, mas em toda existência da espécie humana, regada com todos os recursos tecnológicos psicológicos, não existe como lidar com a constante da morte.
A decepção é diferente. Ela nasce quando julgamos colher o negativo após semear o positivo. Acontece nas relações de amizade, família, amor, sobretudo onde e quando se cria as melhores perspectivas. Todo e qualquer sentimento ruim tem, como adubo, tudo aquilo de bom que vida proporciona. Alguém se decepcionaria com Hittler, Sadam, Bin Laden? Estes não nos decepcionam, uma vez que jamais esperamos algo positivo deles. Eles causam ou causaram tristezas e eis um exemplo da diferença de ambos os sentimentos. Causam tristeza porque é justamente o que esperamos deles, enquanto que não causam decepções porque jamais tivemos perspectivas positivas sobre seus atos.
Decepcionamos-nos com amigos, amores, familiares, tendo em vista que semeamos no solo fértil da amizade, cumplicidade, da alegria, harmonia... A decepção, como todo sentimento ruim, vive à margem do que é bom, alimentando-se como um parasita. Afinal, sofremos decepções a cerca de algo ou alguém que amamos, porque se assim não fosse, esse sentimento não se faria presente em tais circunstâncias.
Mas a maior diferença entre esses dois sentimentos se resume à palavra “Permissão”. A tristeza não carece de permissão pra invadir nossa alma. Ela chega sem pedir licença e com eficácia implacável. Enquanto que a decepção é um sentimento que traz em si o consentimento. Nos decepcionamos simplesmente porque permitimos esse acontecimento. Permitimos quando criamos muita expectativa sobre algo ou alguém, e estes, quando não nos retornam (no mínimo) a reciprocidade, é a decepção engatinhando em nossa direção.
Não espero uma vida sem tristeza, pois estando vivo fico a mercê da tristeza e felicidade. Temo a tristeza, e a respeito suficientemente para fazer com que, na minha vida, a felicidade seja uma constante, e assim evitar ao máximo de ter a tristeza como inquilina. Não temo a decepção. Temê-la seria como desacreditar no ser humano. Teria de me afastar dele uma vez que a decepção é oriunda do nosso próximo.
Prefiro me decepcionar inúmeras vezes e com diversas pessoas possíveis, ao me omitir e viver na incerteza de que teria valido a pena ou não, uma vez que quando assim o é, nenhum sentimento ruim ofusca, nem mesmo a tristeza. Pense sobre isso...

[Rossana Brasil Kopf, in Jornal O Povo (Fortaleza) – Jornal do Leitor, 23 de outubro de 2010]

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Casa Abandonada

Ilustr.: Andrzej Piecha
Minha saudade não larga
Certa casa abandonada.
E sinto, na boca, amarga,
Essa lágrima chorada
Quando a deixei...

Caía, de leve, a tarde...
E, olhando para trás, vi
Aquela porta fechada.

Nesse momento, senti
Pesar-me a fatalidade
De toda a Vida passada.

Arde
Ainda, nos meus olhos,
A luz do sol que brilhava
Na janela.
Era uma luz amarela;
Uma luz de fim da tarde
Que ainda trago nos olhos...

Ficava ali,
Por detrás da porta verde,
Tudo o que a vida nos perde,
Enquanto nos vai gastando...

E triste e só me parti;
Quem sabe que outros Destinos,
Dolorosos ou divinos,
Procurando...

[Francisco Bugalho, in "Margens"]

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Desperdício

Ilustr.: Aram Nersisyan

A cada dia que vivo,
mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.

[Carlos Drummond de Andrade]

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Prioridade

Ilustr.: Seeba
Podes vir a qualquer hora
Cá estarei para te ouvir
O que tenho para fazer
Posso fazer a seguir

Podes vir quando quiseres
Já fui onde tinha de ir
Resolvi os compromissos
agora só te quero ouvir

Podes-me interromper
e contar a tua história
Do dia que aconteceu
A tua pequena glória
O teu pequeno troféu

Todo o tempo do mundo
para ti tenho todo o tempo do mundo
Todo o tempo do mundo

Houve um tempo em que julguei
Que o valor do que fazia
Era tal que se eu parasse
o mundo à volta ruía

E tu vinhas e falavas
falavas e eu não ouvia
E depois já nem falavas
E eu já mal te conhecia

Agora em tudo o que faço
O tempo é tão relativo
Podes vir por um abraço
Podes vir sem ter motivo
Tens em mim o teu espaço

Todo o tempo do mundo
para ti tenho todo o tempo do mundo
Todo o tempo do mundo

[Rui Veloso, in 'Todo o tempo do mundo']


terça-feira, 8 de abril de 2014

Nunca

Ilustr.: Asunción Reyes Paiva

Nunca se é homem
enquanto se não encontra alguma coisa
pela qual se estaria disposto a morrer.

[Jean-Paul Sartre]

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Graça

Ilustr.: Chanelle Kotze




Que as horas desse dia do amor namorem seus minutos,
da forma mais bonita,
a verdadeira.

[Dan Cezar]

domingo, 6 de abril de 2014

Volto

Ilustr.: Mariana Kalacheva

Volto como quem soma a vida inteira
A todos os outonos.
Volto novíssima, incoerente, cógnita
Como quem vê e escuta o cerne da semente
E da altura de dentro já lhe sabe o nome...

E reverdeço
No rosa de umas tangerinas
E nos azuis de todos os começos...

[Hilda Hilst, Amavisse, 1989]

sábado, 5 de abril de 2014

Interior

Marcello Barenghi, in http://youtu.be/Lqepg1wBNik

Às vezes nós confundimos prazer com felicidade, mas é possível ter um sem o outro.
O prazer é um estímulo dos cinco sentidos que vem de pessoas externas, lugares e coisas. A felicidade é algo que existe dentro de você. É uma energia sublime que ninguém pode tirar de você a menos que você permita.
A única ilusão que devemos superar para encontrar a felicidade é a percepção de que ela se origina a partir de uma fonte externa.

[Yehuda Berg]

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Desejo-te

Ilustr.: Margarita Sikorskaia
Querer alguém, ou alguma coisa, é muito fácil. Mesmo assim, olhar e sentirmo-nos querer, sem pensar no que estamos a fazer, é uma coisa mais bonita do que se diz. Antes de vermos a pessoa, ou a coisa, não sabíamos que estávamos tão insatisfeitos. Porque não estávamos. Mas, de repente, vemo-la e assalta-nos a falta enorme que ela nos faz. Para não falar naquela que nos fez e para sempre há-de fazer. Como foi possível viver sem ela? Foi uma obscenidade. Querer é descobrir faltas secretas, ou inventá-las na magia do momento. Não há surpresa maior.

 O que é bonito no querer é sentirmo-nos subitamente incompletos sem a coisa que queremos. Quanto mais bela ela nos parece, mais feios nos sentimos. Parte da força da nossa vontade vem da força com que se sente que ela nunca poderia querer-nos como nós a queremos. Querer é sempre a humilhação sublime de quem quer. Por que razão não nos sentimos inteiros quando queremos? É porque a outra pessoa, sem querer, levou a parte melhor que havia em nós, aquela que nos faz mais falta. E a parte de nós que olha por nós e que nos reconcilia connosco. Quanto mais queremos outra pessoa, menos nos queremos a nós...

 Querer é mais forte que desejar, pelo menos na nossa língua. Querer é querer ter, é «ter de ter». Querer tem mesmo de ser. Na frase felicíssima que os Portugueses usam, «o que tem de ser tem muita força». Desejar tem menos. E condicional. Quem deseja, desejaria. Quem deseja, gostaria. Seria bom poder ter o que se deseja, mas o que se deseja não dá vontade de reter, se calhar porque são muitas as coisas que se desejam e não se pode ter todas ao mesmo tempo.

 Querer é querer ter e guardar, é uma vontade de propriedade; enquanto desejar é querer conhecer e gozar, é uma vontade de posse. O querer diminui-nos, mas o desejar não. Sabemos que somos completos quando desejamos — desejamos alguém de igual para igual. Quando queremos é diferente — queremos alguém com a inferioridade de quem se sente incapacitado diante de quem parece omnipotente. O desejo é democrático, mas o querer é fascista.

[Miguel Esteves Cardoso, in 'Os Meus Problemas']

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Cicatrizes

Ilustr.: Viviana González
Pois é, quedas, tombos, chame-lhe o que quiser, esses pequenos incidentes domésticos, escolares, sociais, entre outros. Eu prefiro chamá-los de "hematomas, consequência de uma infância bem vivida".

Lembro bem, quando há alguns anos atrás, chegava a casa todo arranhado, por vezes até sangrando. Logo, minha mãe me perguntava tranquilamente: "Meu filho, onde é que você conseguiu isso?"
Se eu fosse uma criança irónica, responderia espontaneamente: "Na loja do Sr. Zé, mãe, custou só R$2,00. (tá, parei com a palhaçada!).

Hoje, a meio dos meus pensamentos, lembrei das brincadeiras na rua, dos tombos de bicicleta, dos escorregões enquanto corria. Das vezes que caí, feio por sinal, e me levantei, olhei para o meu amigo do lado e disse: "O que foi? Nem doeu mesmo."
Vi esta frase em algum lugar por aí, não me lembro exatamente onde, mas, ela é uma das frases mais inteligentes do século XXI: "quem não tem cicatriz, não tem história". :)

O marcante em si, não são as cicatrizes à mostra na pele, mas sim, aquelas que são invisíveis ao olho nu, a lembrança de um dia, do momento engraçado, do riso solto, e da felicidade simples.

Não que eu esteja assim tão velho, é claro que não. Mas, às vezes é bom olhar pra trás, e perceber que algo realmente bom aconteceu, e que pessoas passaram, passam, e passarão por minha vida. Deixem elas cicatrizes, ou meras lembranças.

[Kayque Meneguelli]

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Não confundas

Ilustr.: Jeff Faust
Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos.
Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer.
Por eu amar a Deus, meto-me a pé pela estrada fora, coxeando penosamente para o levar aos outros homens. E não reduzo o meu Deus à escravatura. E sou alimentado com o que ele dá a outros.
Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado.
O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.

[Antoine de Saint-Exupéry]

terça-feira, 1 de abril de 2014

Mentiras

Ilustr.: Amy Elizabett
Vieram hoje dizer-me
mentiras a meu respeito,
mas nunca podem esconder-me
o que lhes vai lá no peito.

Só quero hoje a verdade,
mais nua que ave perdida...
Os sinos tangem-me a idade
na alta torre da vida.

Mentiras, fora daqui!
Ide acampar noutra parte!
Existe um espelho que ri,
ao desnudar-vos com arte.

Palavras, gestos, partissem,
morressem antes do dia!
Humildes, se diluíssem
na madrugada bem fria.

Deixai-me as cordas do sino
de me sentir como sou.
Puxando-as, oiço o menino
que nas entranhas ficou.

Idade! Já tenho tanta!
Nasci num dia riscado
do calendário do Tempo.
O meu destino é dobrado,
mentir-me não adianta!

[Isabel Gouveia, in "Os Sete Dias Passados"]