sábado, 12 de abril de 2014

Decepção e tristeza

Ilustr.: Chiara Fersini

Na minha opinião, a decepção é o sentimento mais amargo que uma pessoa pode sofrer.  Ele só não fere mais que a tristeza. Aliás, a tristeza é o pior dos sentimentos. Primeiro porque o próprio nome a delata; e, segundo, porque se trata de um sentimento composto de ingredientes, o qual a própria decepção, muitas vezes, está presente em seu tempero.
Cá entre nós, a decepção é cruel. Ela representa a surpresa desagradável, o inesperado, aborda a alma de súbito e de forma negativa. A tristeza também causa tudo isso? Sim, claro que sim, mas a decepção é mais nua, é mais explícita. É simples chegar a essa conclusão: na decepção existe um investimento e com isso jamais esperamos resultados negativos, enquanto que a tristeza apenas chega.
Não investimos na tristeza, pois isso seria um planejamento estúpido. Ela chega de surpresa, sabemos que a qualquer momento ela pode nos surpreender, embora jamais estejamos preparados para ela, assim como a morte, que é nossa única certeza, mas em toda existência da espécie humana, regada com todos os recursos tecnológicos psicológicos, não existe como lidar com a constante da morte.
A decepção é diferente. Ela nasce quando julgamos colher o negativo após semear o positivo. Acontece nas relações de amizade, família, amor, sobretudo onde e quando se cria as melhores perspectivas. Todo e qualquer sentimento ruim tem, como adubo, tudo aquilo de bom que vida proporciona. Alguém se decepcionaria com Hittler, Sadam, Bin Laden? Estes não nos decepcionam, uma vez que jamais esperamos algo positivo deles. Eles causam ou causaram tristezas e eis um exemplo da diferença de ambos os sentimentos. Causam tristeza porque é justamente o que esperamos deles, enquanto que não causam decepções porque jamais tivemos perspectivas positivas sobre seus atos.
Decepcionamos-nos com amigos, amores, familiares, tendo em vista que semeamos no solo fértil da amizade, cumplicidade, da alegria, harmonia... A decepção, como todo sentimento ruim, vive à margem do que é bom, alimentando-se como um parasita. Afinal, sofremos decepções a cerca de algo ou alguém que amamos, porque se assim não fosse, esse sentimento não se faria presente em tais circunstâncias.
Mas a maior diferença entre esses dois sentimentos se resume à palavra “Permissão”. A tristeza não carece de permissão pra invadir nossa alma. Ela chega sem pedir licença e com eficácia implacável. Enquanto que a decepção é um sentimento que traz em si o consentimento. Nos decepcionamos simplesmente porque permitimos esse acontecimento. Permitimos quando criamos muita expectativa sobre algo ou alguém, e estes, quando não nos retornam (no mínimo) a reciprocidade, é a decepção engatinhando em nossa direção.
Não espero uma vida sem tristeza, pois estando vivo fico a mercê da tristeza e felicidade. Temo a tristeza, e a respeito suficientemente para fazer com que, na minha vida, a felicidade seja uma constante, e assim evitar ao máximo de ter a tristeza como inquilina. Não temo a decepção. Temê-la seria como desacreditar no ser humano. Teria de me afastar dele uma vez que a decepção é oriunda do nosso próximo.
Prefiro me decepcionar inúmeras vezes e com diversas pessoas possíveis, ao me omitir e viver na incerteza de que teria valido a pena ou não, uma vez que quando assim o é, nenhum sentimento ruim ofusca, nem mesmo a tristeza. Pense sobre isso...

[Rossana Brasil Kopf, in Jornal O Povo (Fortaleza) – Jornal do Leitor, 23 de outubro de 2010]

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