sábado, 30 de novembro de 2013

Ausência

Ilustr.: Alberto Pancorbo


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

[Carlos Drummond de Andrade]

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Vontade de ficar

Ilustr.: Marion Arbona
Durante a nossa vida:
Conhecemos pessoas que vêm e que ficam,
Outras que vêm e passam.
Existem aquelas que vêm, ficam e depois de algum tempo se vão.
Mas existem aquelas que vêm e se vão com uma enorme vontade de ficar...

[Charles Chaplin]

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

79º Aniversário

Ilustr.: Andrei Belichenko



Se fosse possível descobrir o primeiro e verdadeiro germe de todos os afectos elevados e de todas as acções honestas e generosas de que nos orgulhamos, encontrá-lo-íamos quase sempre no coração da nossa mãe.

[Edmondo Amicis]

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A melhor sensação do mundo

Ilustr.: Valeria Docampo
Quanto mais sentimentos você guardar, mais sobrecarregado fica. Ainda mais se tratando daqueles que só servem para isso, sobrecarregar.
Achamos sempre que somos especiais na vida de alguém, mas na verdade, às vezes, só estamos servindo para tapar buracos. Curamos as feridas do outro, cuidamos das suas dores, e quando ele, enfim consegue ficar de pé, vai embora.
- E nós?
Nós sentamos, e esperamos que outra pessoa apareça e faça o mesmo conosco, cuide de nossas feridas. É um ciclo!
Por quantas enfermeiras você já passou? Quantos curativos você já fez? Ou, quantos foram necessários serem feitos por sua causa?

Promova o Desapego, não torça para que algo aconteça, não espere, absolutamente não espere. Não se desespere.
O amor é irracional, deixa-nos cegos, uma pessoa só fica perfeita, quando você se apaixona por ela.
Já não conto os minutos para ver a pessoa amada, quando o momento chegar, apenas farei com que seja perfeito, memorável.
Não me perco em seus olhos, não mais. Suas palavras se tornaram normais, já não me afetam como antes.

Você não sabe ao certo quando começa a “desamar” alguém, o primeiro passo, penso que seja a raiva, pois ela é passageira qual ventania. Diferente da mágoa, que perdura. Fica alojada.

Não há nada mais curativo, do que o bálsamo do esquecimento, nesse ponto, você passará a lembrar seus desamores não com lágrimas, e sim com sorrisos nostálgicos.

Não haverá amor como antes?

Que seja assim, o mundo com seus infinitos encontros lhe proporcionará outros, diferentes.
Uma vez disseram-me que se você corre do amor, ele não consegue chegar até você. Consequentemente eu discordei, o amor que o outro sente pode até demorar, mas e o seu? O amor que você guarda para si mesmo?

Ele sempre esteve aí, guardado, a sociedade afirma que você é metade da laranja, mas você é a fruta toda “você tá podendo”.

Foi num dia desses, um dia qualquer, que eu pude perceber e entender, enquanto eu não acho ninguém para me amar, eu vou me amando, me cuidando.

E isso? Há, isso é a melhor sensação do mundo. Apaixone-se por você mesmo, só assim poderá causar o mesmo efeito em alguém.

[Kayque Meneguelli]

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Identidade

Ilustr.: Adrian Waggoner
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

[Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho e Outros Poemas']

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Para entender uma mulher

Ilustr.: Ricardo Celma
Para entender uma mulher
é preciso mais que deitar-se com ela
Há de se ter mais sonhos e cartas na mesa
que se possa prever nossa vã pretensão

Para possuir uma mulher
é preciso mais do que fazê-la sentir-se em êxtase
numa cama, em uma seda, com toda viril possibilidade…
Há de se conseguir fazê-la sorrir antes do próximo encontro

Para conhecer uma mulher, mais que em seu orgasmo, tem de ser mais que amante perfeito
Há de se ter o jeito certo ao sair, e
fazer da saudade e das lembranças, todo sorriso

- O potente, o amante, o homem viril, são homens bons, bons homens de abraços e passos firmes
bons homens pra se contar histórias
Há, porém, o homem certo, de todo instante: O de depois!

Para conquistar uma mulher,
mais que ser este amante, há de se querer o amanhã,
e depois do amor um silêncio de cumplicidade
e mostrar que o que se quis é menor do que o que não se deve perder.

É esperar amanhecer, e nem lembrar do relógio ou café… Há que ser mulher, por um triz e, então, ser feliz!

Para amar uma mulher, mais que entendê-la,
mais que conhecê-la, mais que possuí-la,
é preciso honrar a obra de Deus, e merecer um sorriso escondido, e também ser possuído e, ainda assim, também ser viril

Para amar uma mulher, mais que tentar conquistá-la,
há de ser conquistado, todo tomado e, com um pouco de sorte, também ser amado!

[Carlos Drummond de Andrade]

domingo, 24 de novembro de 2013

Eu penso em ti

Ilustr.: Alberto Pancorbo




Eu penso em ti, ainda mais do que te digo,
e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso,
tu és a grande razão,
o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim.

[António Mega Ferreira]

sábado, 23 de novembro de 2013

Beijo

Ilustr.: Jana Magalhães
Beijo na face
Pede-se e dá-se:
             Dá?

Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
             Vá!

Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
             Dá?

A borboleta
Beija a violeta:
             Vá!

Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
             Dá?

Teme que a tente?
É inocente...
             Vá!

Guardo segredo,
Não tenha medo...
             Vê?

Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
             Dê!

*

Como ele é doce!
Como ele trouxe,
             Flor,

Paz a meu seio!
Saciar-me veio,
             Amor!

Saciar-me? louco...
Um é tão pouco,
             Flor!

Deixa, concede
Que eu mate a sede,
             Amor!

Talvez te leve
O vento em breve,
             Flor!

A vida foge,
A vida é hoje,
             Amor!

Guardo segredo,
Não tenhas medo
             Pois!

Um mais na face,
E a mais não passe!
             Dois...

*

Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas...
             Vês?

Quantas pessoas
Tem a Trindade?
             Três!

Três é a conta
Certinho, e justa...
             Vês?

E que te custa?
Não sejas tonta!
             Três!

Três, sim: não cuides
Que te desgraças:
             Vês?

Três são as Graças,
Três as Virtudes;
             Três.

As folhas santas
Que o lírio fecham,
             Vês?

E não o deixam
Manchar, são... quantas?
             Três!

[João de Deus, in 'Campo de Flores']

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Apaixone-se

Ilustr.: Alberto Pancorbo

Apaixone-se por alguém que te compreenda mesmo na loucura, por alguém que te ajude, que te guie, que seja um apoio, uma esperança.
Apaixone-se por alguém que volte a falar contigo depois de uma briga, que seja tua companhia.
Apaixone-se por alguém que sinta tua falta e que queira estar contigo.
Não se apaixone por um rosto, por um corpo, ou pela ideia de estar apaixonado.

[Aglair Grein]

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Poderia ter sido

Ilustr.: Silvia Crocicchi







Mas existe verdadeiramente outro rumo?
Na verdade, só existe a direção que tomamos.
O que poderia ter sido já não conta.

[Mario Benedetti]

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sonhos

Ilustr.: Valeria Docampo

Teria passado a vida
atormentado e sozinho
se os sonhos me não viessem
mostrar qual é o caminho

umas vezes são de noite
outras em pleno de sol
com relâmpagos saltados
ou vagar de caracol

quem os manda não sei eu
se o nada que é tudo à vida
ou se eu os finjo a mim mesmo
para ser sem que decida.

[Agostinho da Silva]

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Os Dias Bons

Ilustr.: Margarita Sikorskaia
Os dias bons são os dias em que se acorda, tendo dormido oito, nove ou, melhor ainda, dez horas e, reflectindo naquela ronha de quem já não consegue dormir mais mas gosta de ficar na cama (porque a temperatura e a companhia são perfeitas), se lembra que não tem nada para fazer, senão tomar o pequeno-almoço, o almoço, o chá e o jantar. E, se quiser, entretanto, nalgum intervalo qualquer, trabalhar, tanto melhor. Mas não importa. Dias de domingos antigos: dias de prazer sem saber.
Os dias bons nunca acontecem. Acontecem, quando muito, cinco ou dez mil vezes numa vida. Três míseros anos já têm mais de mil. Domingo, daqui a uma semana, terei a sorte nunca tida de estar casado e feliz com a Maria João há 12 anos. Doze anos cheios de dias bons, impossíveis de contar.
O amor, para quem é mais novo e não sabe como fazer, não é uma técnica ou uma táctica. Não há segredo. Não há lições. Ou se ama ou não se ama. Ou se é também amado ou não se é. Esperar é o melhor conselho. Experimentar é o pior. O segredo não é ter paciência: é conseguir manter a impaciência num estado de excelsitude. É como o «nunca mais é domingo». Se não sentirmos, todos os dias, que nunca mais é domingo, quando chegar o domingo parecer-se-á com outro dia qualquer.
Os dias bons não são os que ficam para lembrança. São aqueles que se esquecem, porque se repetem na mais estúpida felicidade mas que, todos juntos, servirão para um dia eu poder dizer «sim, eu já fui feliz».

[Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público' (23 Setembro 2012)]

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Não posso morrer

Ilustr.: Alberto Pancorbo

Só tenho vinte e sete anos, não é idade de se morrer. Não, quero mais muitos anos. Vou fazer tanta falta para alguém. Vou deixar tanta coisa por fazer. Vinte e sete é muito cedo: não posso morrer.

Um puxão no gatilho e já era. Um tropeção na bordinha. Atropelado na estrada, engasgado com osso de galinha, esfaqueado, acidentado, doente, traído… Tantas formas de morrer que me admiro ainda estar vivo.

Pensando bem, não sei meu prazo. Não me sinto pronto. Será que um dia me sentirei? Quem precisa estar pronto para morrer? Morrer é tão fácil – todos vamos morrer.

Aos dez na escola, aos vinte na faculdade, aos trinta no trabalho, aos quarenta casado, aos cinquenta com filhos, aos sessenta aposentado, aos setenta avô, aos oitenta descansando. Com noventa, lamentamos quem se for. Aos cem já é hora extra! Mais do que isso dá no jornal. Todas essas coisas da vida estão na história dos outros, não na minha. Não ainda. Todas as minhas aspirações, os sonhos, os planos, todos são cópias de vidas já vividas.

Não posso morrer.

E se eu morrer?

A morte será o fim de todas as coisas para mim: dos amigos e inimigos, dos doces e refrigerantes, dos videogames, dos amores, dos cometas, das frustrações, das preocupações, das batatas, das alegrias, das guerras e dos dinossauros.

Ela vai me tirar tudo, vai mudar tudo para nada. Eu não posso, não quero morrer!

Sem a morte, resta a eternidade. Viver para sempre, poder sempre contar com o amanhã. E com o depois de amanhã. E com o depois de depois de amanhã. E saber que não importa quanto tempo passe, eu ainda mal comecei.

Com tempo ilimitado, posso fazer tudo. Posso conhecer todos os lugares, ler todos os livros, ver todos os filmes, jogar todos os jogos, praticar todos os desportos, pedir todos os sabores de pizza. Serei sábio, habilidoso, experiente.

Nenhum desafio me intimidará se não tiver a morte para encerrar minhas tentativas. As escolhas não serão tão importantes, eu vou ter tempo para viver todas as experiências.

Mas se as escolhas não são importantes, também não há satisfação em tomar a correta. Não há frustração em tomar a errada. Não haverão consequências que não possam ser revertidas. Em algum momento, nada será inédito, nada vai surpreender. Nada vai me desafiar, nada vai me entreter, nada vai me doer e nada vai me aliviar.

A vida dividida num tempo infinito tende a zero. É simples como na matemática.

A eternidade é o único castigo do qual não poderíamos escapar – só pensar nela já faz eu querer me matar.

Morte, conto com você.

[Diego Moreno Quinteiro, in 'diegoquinteiro: pensamentos, idéias e bobagens']

domingo, 17 de novembro de 2013

Butterfly

Ilustr.: cporter1980's Fairy Wallpaper

Sou exatamente como as borboletas,
Acho que em outras vidas, já fui uma delas
Tenho meus momentos de  casulo
de metamorfose
e de liberdade para voar
Hoje, encontro-me  no casulo
E não sinto vontade de falar
Talvez o amanhã, me traga o desejo de voar!!

[Vanya Moreira]

sábado, 16 de novembro de 2013

Amigos

Ilustr.: Virginia Palomeque




Os amigos não morrem:
andam por aí, entram por nós dentro quando menos se espera e então tudo muda:
desarrumam o passado, desarrumam o presente, instalam-se com um sorriso num canto nosso e é como se nunca tivessem partido.
É como, não: nunca partiram.

[António Lobo Antunes]

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Justiça

Ilustr.: Stanley Spencer



Justiça:
mais vale deixar-se roubar do que usar espantalhos;
tal é o meu gosto.
E é sempre questão de gosto,
nada mais além de questão de gosto.

[Friedrich Nietzsche]

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Onde começa a boca?

Ilustr.: Alberto Pancorbo


Onde começa a boca?
no beijo?
no insulto?
na mordiscadela?
no grito?
no bocejo?
no sorriso?
no assobio?
na ameaça?
no gemido?
que te fique bem claro
que onde acaba a tua boca
aí começa a minha.

[Mario Benedetti]

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Subfelicidade

Ilustr.: Beatriz Hidalgo De La Garza

O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade.
A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar.
Mas a infelicidade não é o que mais dói.
A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.

O que mais dói é a subfelicidade.
A felicidade mais ou menos, a felicidade que não se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade.
A subfelicidade não magoa – vai magoando; a subfelicidade não martiriza – vai martirizando.
Não é intensa – mas é imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silêncio, em surdina, em anonimato. Como se não fosse.
Mas é: a subfelicidade é.
A subfelicidade faz-te ficar refém do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que não tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre à mão de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar.
A subfelicidade é o piso -1 da felicidade. E não há elevador algum que te leve a subir de piso.
Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas.
Anda daí.

Sair da subfelicidade é um drama. Um pesadelo. Sair da subfelicidade é mais difícil do que sair da infelicidade.
Para sair da infelicidade, toda a gente sabe – tu mesmo o sabes: tens de tomar medidas drásticas. Medidas radicais. Porque a infelicidade é, também ela, radical.
Mas sair da subfelicidade é uma batalha interior muito mais dolorosa. Desde logo, porque não sabes se queres, mesmo, sair da subfelicidade. Porque é na subfelicidade que consegues ter a certeza de que evitas a desilusão – terás, no máximo, a subdesilusão; porque é na subfelicidade que consegues ter a certeza de que evitas a perda – terás, no máximo, a subperda.

Estás a ficar perdido com o que te digo? A subfelicidade é o produto mais diabólico que a humanidade criou. A subfelicidade é resultado da mente, também ela diabólica, de quem tem consciência. Para um cão, para um gato, para um periquito, para um leão ou até para uma formiga, não existe a subfelicidade: a felicidade pacífica. Impossível: ou está feliz porque tem comida e bebida, ou está infeliz porque nada tem para comer ou nada tem para beber. Os animais, por mais cores que os olhos lhes dêem a ver, vêem o mundo a preto e branco . Ou é preto ou é branco. Ou é feliz ou infeliz. Ou é tudo ou é nada.
O humano, esse, foi mais longe. E foi por isso que ficou, cada vez mais, refém do que está perto – do que está seguro. Formatado pela consciência, o homem assimilou um conceito que, na verdade, não existe: o da felicidade segura.
Espero que estejas bem seguro nessa cadeira quando leres o que aí vem no próximo parágrafo.

A felicidade segura não existe. A felicidade segura é segura, sim – mas não é felicidade. A felicidade pacífica é pacífica, sim – mas não é felicidade. A felicidade, quando é felicidade, assolapa, euforiza, arrebata. E não deixa respirar, e não deixa sequer pensar.
A felicidade, quando é felicidade, é só felicidade. E tudo o que existe, quando existe felicidade, é a felicidade. Só ela e tu. Ela em ti. Ela em todo o tu. A felicidade, para ser felicidade, não tem estratos, não tem razão. Ou é ou não é. A felicidade é animal, de facto – mas é ainda mais demencial. Deixa-te louco de felicidade, maluco de alegria, passado dos cornos.
Só quando estás dentro da felicidade é que estás fora de ti. Liberto do corpo, da matéria, da sensação – e imerso naquela indizível comunhão. Tu e a felicidade. Já a sentiste, não?
Não há como dizer de outra maneira: se estás acomodado à subfelicidade, se tens medo de ser feliz e preferes a certeza de seres subfeliz: és um triste de todo o tamanho.
A subfelicidade é uma tristeza. Uma tristeza de hábitos, de rotinas, de sorrisos – uma tristeza que inibe a surpresa, o imprevisível, a gargalhada. Uma tristeza que te faz refém do que fazes e te impede de te seres o que és.
Olha em redor: a toda a volta há pessoas subfelizes, pessoas que dizem “vai-se andando”, pessoas que dizem “tem de ser”, pessoas que dizem “eu até gosto dele”, pessoas que dizem “sou feliz” com os olhos cheios de “queria ser feliz”, pessoas que dizem “é a vida”. Mas não é.
A vida não é a quase felicidade. A vida não é a subfelicidade.
E, se é a primeira vez que vês isso, fica entendido o que sentes. Ou subentendido, pelo menos.

[Pedro Chagas Freitas]

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Perdoar e Esquecer

Ilustr.: Ricardo Celma
Perdoar e esquecer equivale a jogar pela janela experiências adquiridas com muito custo. Se uma pessoa com quem temos ligação ou convívio nos faz algo de desagradável ou irritante, temos apenas de nos perguntar se ela nos é ou não valiosa o suficiente para aceitarmos que repita segunda vez e com frequência semelhante tratamento, e até de maneira mais grave.
Em caso afirmativo, não há muito a dizer, porque falar ajuda pouco. Temos, portanto, de deixar passar essa ofensa, com ou sem reprimenda; todavia, devemos saber que agindo assim estaremos a expor-nos à sua repetição.
Em caso negativo, temos de romper de modo imediato e definitivo com o valioso amigo ou, se for um servente, dispensá-lo. Pois, quando a situação se repetir, será inevitável que ele faça exactamente a mesma coisa, ou algo inteiramente análogo, apesar de, nesse momento, nos assegurar o contrário de modo profundo e sincero. Pode-se esquecer tudo, tudo, menos a si mesmo, menos o próprio ser, pois o carácter é absolutamente incorrigível e todas as acções humanas brotam de um princípio íntimo, em virtude do qual, o homem, em circunstâncias iguais, tem sempre de fazer o mesmo, e não o que é diferente. (...) Por conseguinte, reconciliarmo-nos com o amigo com quem rompemos relações é uma fraqueza pela qual se expiará quando, na primeira oportunidade, ele fizer exactamente a mesma coisa que produziu a ruptura, até com mais ousadia, munido da consciência secreta da sua imprescindibilidade.

[Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida']

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Partilha

Ilustr.: Jacob van Oost



Quando se recusa a partilhar alguma coisa
corre-se o risco de perder tudo.

[Desmond Tutu]

domingo, 10 de novembro de 2013

Excerto (2)


Ilustr.: Antonio Mingote
A minha vida, por outro lado, estava cheia a transbordar, e, por falta de tempo, eu recusava muitas oportunidades! Esquecia em seguida, pela mesma razão, as minhas recusas. Mas tais oportunidades tinham-me sido oferecidas por pessoas cuja vida não era plena, e que, por esta mesma razão, se lembravam das minhas recusas.
Era assim que, para dar apenas um exemplo, as mulheres, no fim de contas, me ficavam caras. O tempo que lhes consagrava, não o podia dedicar aos homens, que nem sempre me perdoavam. Como sair disto? Não nos perdoam a nossa felicidade, nem os nossos êxitos, senão no caso de consentirmos generosamente em reparti-los. Mas, para se ser feliz é preciso não nos ocuparmos muito dos outros. As saídas ficam, pois, cortadas. Feliz e julgado ou absolvido, e miserável. Quanto a mim, a injustiça era maior: eu era condenado por causa de felicidades antigas. Tinha vivido durante muito tempo na ilusão de um acordo geral, quando de todos os lados choviam sobre mim, distraído e sorridente, os juízos, as flechas e os remoques. A partir do dia em que fiquei alerta, veio-me a lucidez, recebi todos os ferimentos ao mesmo tempo e perdi de uma só vez as minhas forças. O universo inteiro pôs-se então a rir à minha volta.

[Albert Camus, in 'A Queda'
Sinopse de Paulo Neves da Silva]

sábado, 9 de novembro de 2013

Excerto (1)

Ilustr.: Antonio Mingote


Uma vez desperta a minha atenção, não me foi difícil descobrir que tinha inimigos. Na minha profissão, em primeiro lugar, e depois na minha vida social. A uns, tinha prestado serviços. A outros, deveria tê-los prestado. Tudo isso, em suma, estava na ordem das coisas, e descobri-o sem grande mágoa. Em contrapartida, foi-me mais difícil e doloroso admitir que tinha inimigos entre pessoas que mal ou absolutamente nada conhecia. Sempre tinha pensado, com a ingenuidade de que já lhe dei algumas provas, que os que não me conheciam não poderiam deixar de gostar de mim, se chegassem a privar comigo. Pois bem, nada disso! Encontrei inimizades sobretudo entre os que não me conheciam senão muito por alto, e sem que eu próprio os conhecesse. Suspeitavam, sem dúvida, de que eu vivia em plenitude e num livre abandono à felicidade: isso não se perdoa. O ar do êxito, ostentado de uma certa maneira, é capaz de pegar raiva a um asno.

[Albert Camus, in 'A Queda'
Sinopse de Paulo Neves da Silva]

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Não sei lidar comigo

Ilustr.: Wang Niandong
- Não gostas de sexo?
- Mais ou menos.
- Então?
- Sinto-me a pecar quando o faço.
- A pecar?
- Sim. Como se estivesse a fazer qualquer coisa contra Deus ou contra os meus pais. A pior parte é quando acaba. A outra pessoa fica feliz e eu com vontade de chorar. Às vezes choro e digo que é de emoção, mas é mentira. Depois visto-me logo. Sinto-me suja quando estou nua. Não gosto de me ver nua.
- Não?
- É uma sensação estranha. O sentimento de pecado. Só estou bem quando estou vestida.
- Deves sofrer com isso.
- Muito. Gostava de sentir aquela beleza, aquela transcendência de que todos falam quando descrevem o sexo. Sinto-me uma prostituta.
- Porque é que achas que isso acontece?
- Deve ter a ver com o facto de me terem culpado tanto por me terem visto aos beijos com um rapaz quando era muito nova. A partir daí, acreditei que tudo o que tivesse a ver com o sexo oposto e com o corpo tinha de ser em segredo e era pecado. Acho que desde esse dia me sinto uma puta clandestina que é desmascarada cada vez que se deita com alguém. Acho que é isso. Sinto-me sempre uma puta.
- Por isso é que dizias que ias fazer comigo por obrigação?
- Talvez. As putas fazem porque tem de ser. Não há prazer, mas elas fingem.
- Tu finges?
- Sim.
- Se não queres namorar comigo porque me contas tudo isso?
- Exactamente por não querer namorar contigo é que te conto. Com este desabafo já ficou definido que somos amigos. Além disso, deves ter passado a achar-me estranha, por isso vais preferir ser meu amigo a namorar.
- Então só desabafaste para fazer definições... Foi também uma obrigação. Tiveste prazer em contar-me essas coisas?
- Não muito. Ainda nos conhecemos há pouco tempo.
- Então para que te obrigaste a contar?
- Para ver se conseguia falar sobre o assunto e para ver se me sabia bem.
- Então forças-te? Assim como te forças a fazer amor. Tu violas-te, sabias?
- És capaz de ter razão.
- Estás a chorar?
- Quase.
- Fui muito duro contigo.
- Não. Eu é que fui dura comigo. Vou-me embora. Não sei lidar comigo, quanto mais contigo...

[Marta Gautier, in 'Tanto que eu não te disse']

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Ilustr.: Pierre Carrier-Belleuse


Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

[Pablo Neruda]

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Eu quero

Ilustr.: Chanelle Kotze
Eu quero a paz
E a alegria que ela traz
Eu não quero a guerra
Nem as tristezas que ela faz.
Eu quero andar
Pelas ruas, pelas praças
Sem temer.
Eu quero acreditar
Que um dia,
Tudo irá mudar.
Eu quero imaginar
Que nosso planeta
Será um planeta de paz.
Que guerra e violência
Não existirão mais.
Eu quero a paz,
Não quero a violência
Nem a dor que ela traz.

[Isabel Godoy]

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Impassível diante do dragão

Ilustr.: Martín La Spina

Há quanto tempo nos conhecemos?
Sei lá...
Eu vinha, você ia... foi um encontro comum, casual.
Milhares já se encontraram assim,
Depois eu comecei a sentir algo,
Talvez uma saudade sem razão,
sei lá...
Não era tristeza, não era alegria,
Era uma indecisão de amar você,
E eu passava momentos, olhando para a frente,
Desligado, sem ver nada.
Engraçado! Olhava e não via!
Estava absorto, parado, consumido por mim:
Uma verdadeira estátua em introspecção!
Estava "Encucado"
"Encucado" com ausência que era presença.
E de repente, a interrogação indecisa foi evaporando,
E eu vi dentro de mim que era amor.
Você estava enquadrada no que eu queria,
Desde o sorriso até as lágrimas.
Você era o sim diante do altar,
Você era a mão certa na escada incerta
Você era o horizonte nítido... o agasalho...

Mas eu cometi um erro...
Não perguntei se eu também era tudo isso para você.
E a verdade é que não era.
Eu não estava enquadrado no que você queria,
Eu era o não
Não era sorriso, não era agasalho, não era nada....
Era um ser andante maravilhosamente invisível para você.
E de repente, a exclamação veio em "Closed"
E eu fiquei afirmando seus defeitos,
Fiquei procurando tudo o que você fazia de errado,
E você não fazia nada.
Fiquei torcendo para você me decepcionar.
Afundei-me como arqueólogo nas ruínas da sua imagem adorada,
E você permaneceu intacta.
Eu quis desmanchar a ilusão,
Quis vomitar um amor que me assentava bem,
E torci para você me decepcionar.
Eu queria tanto sentir raiva de você,
ódio!

No entanto, você se manteve a mesma,
Impassível diante do dragão no qual me transformei.
Então, me decepcionei comigo,
Porque não compensei o que queria
Com o que sentia.
E numa noite não muito longe,
Resolvi selar a carta da despedida.
Fechei os olhos,
As lágrimas pingaram uma a uma,
E eu adormeci, sonhando o sonho da aceitação!

[Neimar de Barros]

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Descansar da vida, descansar dos sonhos

Ilustr.: Salvador Dali



Todos elogiam o sonho,
que é o descansar da vida.
Mas é o contrário, Doutor.
A gente precisa do viver para descansar dos sonhos.

[Mia Couto, Fala de Bartolomeu Sozinho, in 'Venenos de Deus, Remédios do Diabo', p.17]

domingo, 3 de novembro de 2013

Perda

Ilustr.: Valeria Docampo


A morte não é a maior perda da vida.
A maior perda da vida é o que morre dentro de nós
enquanto vivemos.

[Picasso]

sábado, 2 de novembro de 2013

Milagres

Ilustr.: Alberto Pancorbo

Cansado de ser homem durante o dia inteiro
chego à noite com os olhos rasos de água.
Posso então deitar-me ao pé do teu retrato,
entrar dentro de ti como num bosque.

É a hora de fazer milagres:
posso ressuscitar os mortos e trazê-los
a este quarto branco e despovoado,
onde entro sempre pela primeira vez,
para falarmos das grandes searas de trigo
afogadas a luz do amanhecer.

Posso prometer uma viagem ao paraíso
a quem se estender ao pé de mim,
ou deixar uma lágrima nos meus olhos
ser toda a nostalgia das areias.

[Eugénio de Andrade]

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Não Choreis os Mortos

Ilustr.: Beatriz Hidalgo De La Garza

Não choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridão das sepulturas.
Deixai crescer, à solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vãos adormecidos.

E quando, à tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar... guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.

Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidão sem fim dos que são vivos,
Dos tristes que não podem esquecer.

E, ao meditar, então, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como é suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.

[Pedro Homem de Mello, in "Caravela ao Mar"]