sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Não sei lidar comigo

Ilustr.: Wang Niandong
- Não gostas de sexo?
- Mais ou menos.
- Então?
- Sinto-me a pecar quando o faço.
- A pecar?
- Sim. Como se estivesse a fazer qualquer coisa contra Deus ou contra os meus pais. A pior parte é quando acaba. A outra pessoa fica feliz e eu com vontade de chorar. Às vezes choro e digo que é de emoção, mas é mentira. Depois visto-me logo. Sinto-me suja quando estou nua. Não gosto de me ver nua.
- Não?
- É uma sensação estranha. O sentimento de pecado. Só estou bem quando estou vestida.
- Deves sofrer com isso.
- Muito. Gostava de sentir aquela beleza, aquela transcendência de que todos falam quando descrevem o sexo. Sinto-me uma prostituta.
- Porque é que achas que isso acontece?
- Deve ter a ver com o facto de me terem culpado tanto por me terem visto aos beijos com um rapaz quando era muito nova. A partir daí, acreditei que tudo o que tivesse a ver com o sexo oposto e com o corpo tinha de ser em segredo e era pecado. Acho que desde esse dia me sinto uma puta clandestina que é desmascarada cada vez que se deita com alguém. Acho que é isso. Sinto-me sempre uma puta.
- Por isso é que dizias que ias fazer comigo por obrigação?
- Talvez. As putas fazem porque tem de ser. Não há prazer, mas elas fingem.
- Tu finges?
- Sim.
- Se não queres namorar comigo porque me contas tudo isso?
- Exactamente por não querer namorar contigo é que te conto. Com este desabafo já ficou definido que somos amigos. Além disso, deves ter passado a achar-me estranha, por isso vais preferir ser meu amigo a namorar.
- Então só desabafaste para fazer definições... Foi também uma obrigação. Tiveste prazer em contar-me essas coisas?
- Não muito. Ainda nos conhecemos há pouco tempo.
- Então para que te obrigaste a contar?
- Para ver se conseguia falar sobre o assunto e para ver se me sabia bem.
- Então forças-te? Assim como te forças a fazer amor. Tu violas-te, sabias?
- És capaz de ter razão.
- Estás a chorar?
- Quase.
- Fui muito duro contigo.
- Não. Eu é que fui dura comigo. Vou-me embora. Não sei lidar comigo, quanto mais contigo...

[Marta Gautier, in 'Tanto que eu não te disse']

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