segunda-feira, 31 de março de 2014

Eu erro muito!

Ilustr.: Hermann von Kaulbach


Eu erro muito.
Quase todo dia, pra ser mais específica.
Mas durmo com a consciência tranquila, com a alma serena.
Não faço mal pra ninguém, ninguém mesmo.
Talvez eu magoe algumas pessoas sem querer.
Talvez, não, com certeza.
Ninguém é como a gente espera.
E eu já entendi que inevitavelmente a gente magoa e é magoado.

[Clarissa Corrêa]

domingo, 30 de março de 2014

Sou fácil de definir

Ilustr.: Ronald Companoca
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas, a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra, todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras; compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza.

[Alberto Caeiro]

sábado, 29 de março de 2014

Recolhimento

Ilustr.: Chanelle Kotze




O silêncio das emoções por vezes é necessário.
Precisamos nos dar um tempo.
A explosão de sentimentos muitas vezes trazem danos irreparáveis.
Quando a depressão se apodera da inspiração, é hora de se recolher.
Entrar no casulo, ficar quietinho, espantar a tristeza que se abate quando se cometem excessos.
É natural, é sensível.
Se precisa dar este tempo, o tempo tem que ser dado.
É tudo uma questão de vontade de ter vontade de novo.

[G. Fernandes]

sexta-feira, 28 de março de 2014

Fidelidade

Fotografia internacional premiada com o tema "Solidão"
Antes do fim do mundo despertar,
Sem D. Pedro sentir,
E dizer às donzelas que o luar
É o aceno do amado que há-de vir…

E mostrar-lhes que o amor contrariado
Triunfa até da própria sepultura:
O amante, mais terno e apaixonado,
Ergue a noiva caída à sua altura.

E pedir-lhes, depois fidelidade humana
Ao mito do poeta, à linda Inês…
À eterna Julieta castelhana
Do Romeu português.

[Miguel Torga]

quinta-feira, 27 de março de 2014

Morte

Ilustr.: José de Ribera



Aproximo-me suavemente do momento em que os filósofos e os imbecis têm o mesmo destino.

[Voltaire]

quarta-feira, 26 de março de 2014

Inferioridade

Ilustr.: John William Godward




Se alguém nota e sente uma grande superioridade intelectual naquele com quem fala, então conclui tacitamente e sem consciência clara que este, em igual medida, notará e sentirá a sua inferioridade e a sua limitação. Essa conclusão desperta o ódio, o rancor e a raiva mais amarga.

[Arthur Schopenhauer]

terça-feira, 25 de março de 2014

Incertezas

Ilustr.: Virginia Palomeque



Por favor, não me perguntes como está o resultado.
Eu não tenho certezas sequer acerca de que jogo se trata.

[Ashleigh Brilliant]

segunda-feira, 24 de março de 2014

Menina e Moça

Ilustr.: Aurora Wienhold

Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.

Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.

Outras vezes valsando, o seio lhe palpita,
De cansaço talvez, talvez de comoção.
Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,
Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

Outras vezes beijando a boneca enfeitada,
Olha furtivamente o primo que sorri;
E se corre parece, à brisa enamorada,
Abrir asas de um anjo e tranças de uma huri.

Quando a sala atravessa, é raro que não lance
Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar
Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance
Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.

Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,
A cama da boneca ao pé do toucador;
Quando sonha, repete, em santa companhia,
Os livros do colégio e o nome de um doutor.

Alegra-se em ouvindo os compassos da orquestra;
E quando entra num baile, é já dama do tom;
Compensa-lhe a modista os enfados da mestra;
Tem respeito a Geslin, mas adora a Dazon.

Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo
Para ela é o estudo, excetuando talvez
A lição de sintaxe em que combina o verbo
To love, mas sorrindo ao professor de inglês.

Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,
Parece acompanhar uma etérea visão;
Quantas cruzando ao seio o delicado braço
Comprime as pulsações do inquieto coração!

Ah! se nesse momento alucinado, fores
Cair-lhes aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,
Hás de vê-la zombar dos teus tristes amores,
Rir da tua aventura e contá-la à mamã.

É que esta criatura, adorável, divina,
Nem se pode explicar, nem se pode entender:
Procura-se a mulher e encontra-se a menina,
Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!

[Machado de Assis, in 'Falenas']

domingo, 23 de março de 2014

No meu quadro

Ilustr.: Igor + André
(Danny Roberts / David Roberts)

Ainda que te possa parecer estranha a comparação,
os gestos, para mim, são mais do que gestos,
são como desenhos feitos pelo corpo de um no corpo de outro.

[José Saramago]

sábado, 22 de março de 2014

A lei da vida

Ilustr.: Alberto Pancorbo

Sinceramente?
Não sei quem sou, nem sei mais do que sou capaz.
Viver está me deixando confuso de mais.
Os bons morrem cedo, os amigos se vão, as pessoas mudam, os amores terminam antes de começar!
O que antes me atraia, hoje já não me desvia nem o olhar.
Me deixe seguir, e não se assuste se minhas palavras forem duras.
Do que adianta ser durão por fora, e ter um coração vulnerável?
Faça o que eu falo, mas nunca o que eu faço.
Que ser amado de verdade? Seja amável.
Eu mudei, e você também vai mudar.
O mundo é grande e cheio de coisas pra se ver, não pense em se limitar.
Evolução, a lei da vida.

[Kayque Meneguelli]

sexta-feira, 21 de março de 2014

Seio da Vida

Ilustr.: Robert Armetta

Por teu ventre começa a minha vida, 
Por teus olhos a estrela que me guia. 
Amor, que Deus te salve! — Ave-Maria 
Cheia de Graça ó Bem-Aparecida. 

Por meu e por teu verbo de harmonia 
Se fará eterna origem comovida 
De outros frutos de Amor! — Ave-Maria, 
Senhora da minh'alma apetecida. 

E meu sangue amoroso e produtivo 
Se fará carne e espírito fecundo 
À tua imagem noutro corpo vivo. 

E assim ambos, Amor, iremos ser 
Seio da vida originando o mundo 
Por teu ventre bendito de Mulher. 

[Afonso Duarte, in "Ritual do Amor"]



quinta-feira, 20 de março de 2014

Caminhos

Ilustr.: Katie Shanahan



Ninguém é capaz de fazer os outros felizes num passe de mágica.
O que podemos é ajudar as pessoas a verem aquilo que precisam ver, apontar o caminho e torcer para que elas o sigam.

[Harry Gilman]

quarta-feira, 19 de março de 2014

Morreste-me

Ilustr.: Asunción Reyes Paiva

Pai,
Quero que saibas...
É o teu rosto que encontro. Contra nós, cresce a manhã, o dia, cresce uma luz fina. Olho-te nos olhos. Sim, quero que saibas, não te posso esconder, ainda há uma luz fina sobre tudo isto. Tudo se resume a esta luz fina a recordar-me todo o silêncio desse silêncio que calaste.

Pai.
Quero que saibas,
cresce uma luz fina sobre mim que sou sombra, luz fina a recortar-me de mim, ténue, sombra apenas. Não te posso esconder, depois de ti, ainda há tudo isto, toda esta sombra e o silêncio e a luz fina que agora és.

[José Luís Peixoto, in 'Morreste-me']

terça-feira, 18 de março de 2014

Migalhas


Holding Hands
Não digas nada, dá-me só a mão.
Palavra de honra que não é preciso dizer nada, a mão chega.
Parece-te estranho que a mão chegue, não é, mas chega.
Quantos são hoje? Nunca sei às que ando, confundo tudo, perco-me sempre, os dias, as horas, às vezes cumprimento pessoas que não conheço, há uma semana ou isso entrei num antiquário, sentei-me a uma mesa D. João V e quando a senhora da loja veio, de uns armários franceses ou lá o que era, pedi-lhe que me servisse um uísque. Uma senhora com mais pulseiras que tu e anéis caros, de maquilhagem a lutar contra a idade e a perder. Ficou a olhar para mim de cara ao lado. Depois perguntou-me se estava bêbedo e depois começou a medir a distância entre ela e a porta a fim de chamar por socorro. Numa das paredes paisagens emolduradas a talha, o retrato de uma viscondessa decotada, estampas de cavalos com legendas em francês. A viscondessa usava um anel no indicador rechonchudo e tinha cara de jantar bicos de rouxinol todos os dias, servindo-se dos talheres como se cada dedo fosse um mindinho desses que a gente enrola para beber o café. A minha irmã, pelo menos, enrola. Eu sou mais para o género de o esticar, tipo antena. Educações.
Tu não enrolas nem esticas, deixas a mão inerte na minha. Não te apetece apertar-ma, não tens vontade de ser terna? Gostava que ma apertasses três vezes, depois eu apertava três vezes, depois tu apertavas quatro vezes, depois eu apertava quatro vezes e ficávamos que tempos assim, num morse de namorados. Fantasias. Desejos. Se calhar sou uma pessoa carente.
Se calhar nem sequer sou carente, sou só parvo. Segundo a minha irmã sou só parvo. A propósito de tudo e de nada – És tão parvo; e eu, mudo, a dar-lhe razão no fundo de mim, lembrando-me que na escola era um castigo com a Geografia, capitais e rios e países tudo misturado. Continuo a misturar. Não me peças, por exemplo, para mostrar a Noruega num mapa. E conheci em rapaz uma norueguesa na praia, a pôr creme nas costas de uma amiga. Passados os primeiros embaraços pôs-me a mim também. Espero que tivesse os mindinhos enrolados. Ofereci-me para lhe pôr a ela. Por gestos fez que não com a cabeça e o brinco esquerdo caiu. Acho que começou a ceder quando o procurámos ambos na areia, uma argola com coisinhas penduradas.
O que me atrai nos brincos não é as mulheres terem-nos na orelha, é o momento em que o prendem, de queixo esticado e olhos vazios. A mesma expressão, aliás, ao procurarem as chaves na carteira. Parece que se ausentam. Depois voltam a estar ali ao rodarem a fechadura.
Esfrego sempre os sapatos no capacho antes de entrar (educações) e avanço devagarinho pelo tapete quase persa fora à medida que lhes percebo uma expressão de
– Como é que me vejo livre deste?
a aumentar, a aumentar. Também é nisso que pensas, responde?
– Como é que me vejo livre deste?
e a tua mão cada vez mais pequena sob a minha, o teu lábio inferior a cobrir o superior ou seja
– Para que me fui meter num sarilho?
as tuas pernas longe, o teu corpo longe, a tua bochecha longe a gritar em silêncio.

[António Lobo Antunes]

segunda-feira, 17 de março de 2014

Desconhecidos

Ilustr.: Stairs feet by Art of Tennis


É triste quando amigos viram inimigos,
mas o pior é quando eles se tornam desconhecidos.

[Hayley Williams]

domingo, 16 de março de 2014

Travessia

Ilustr.: Christian Deberdt




Será possível, então, um triunfo no amor? Sim.
Mas ele não se encontra no final do caminho:
não na partida, não na chegada, mas na travessia.

[Rubem Alves]

sábado, 15 de março de 2014

Chapadas

Ilustr.: Tomasz Alen Kopera
Um par de chapadas na tromba
Um bom pontapé no cu
Um murraço nas queixadas
Dá-nos outra juventude

Um bom par de chapadas na tromba
Um direto em cheio no estômago
Os dedos dos pés debaixo duma mó
Um biqueiro em pleno tralálá
Apaga tudo, a droga e a aspirina
Os espinafres, o snif e a Badoit
É mais bacana que o foie gras em terrina
Pois é menos caro e não engorda

Um bom par de chapadas na tromba
E a vida volta a ter valor
Numa manhã em que nos sintamos sós
Toca a partir a cara entre amigos.

[Boris Vian]

sexta-feira, 14 de março de 2014

Resignação

Ilustr.: Wassily Kandinsky

A vida é assim.
A aprendizagem é na prática. E a regra é simples:
se não posso mudar os fatos, então deixo que os fatos me modifiquem.
Quero o crescimento possível, a travessia que me é proposta.
Porque ficar parado lamentando a vida que não quero é um jeito estranho de abandonar a vida que tanto desejo.

[Pe. Fábio de Melo]


quinta-feira, 13 de março de 2014

Gente banal

Ilustr.: Marion Arbona

Em primeiro lugar, quero deixar bem claro:
Não sou um exemplo de pessoa e nem quero ser.
Tenho defeitos e qualidades como qualquer outro indivíduo, vou a festas, baladas, tenho minhas falhas, admito, porém tento sempre ser melhor. A "mesmice" definitivamente não combina comigo.
De há uns tempos para cá, não pude deixar de perceber o quanto está supérfluo, material e estético o mundo que me cerca.
As pessoas não se preocupam mais com os outros.
O importante é ter um ténis legal, uma blusa igual a do fulano, ser XXT' ou Moleque piranha. Não se enquadra no 'estereótipo' de juventude a pessoa que não bebe, não responde aos pais, não curte uma baladinha ou é virgem.
É de extrema importância, quase imprescindível, que, pelo menos uma vez por semana, você receba um depoimento no orkut, e atualize as suas fotos. Se você não tem mais de 700 amigos pode ser taxado de AUTISTA, IGNORANTE, CONVENCIDO e mais alguns adjetivos bonitos. Gosto musical? Só músicas que estão no top 10 das mais acessadas, ou a banda mais requisitada nesses programas de auditório. Cinema? Só se for aquele filme que está todo mundo vendo, sabe aquele? Com aquela atriz bonitinha? Esse mesmo :) Literatura? Vampiros bonzinhos, o santo graal (no mínimo).
Ninguém lembra dos velhos e BONS costumes. A grande maioria está pensando em qual blusa vai colocar para ir comprar pão, ou quase tendo uma síncope por não saber se é o mais popular da escola. A grande maioria, (ainda creio que não sejam todos!) não sabe o que é MPB, nunca viu um LP, se quer sabe o que foi a Ditadura Militar e só vai a escola para badernar.
Quer saber de uma coisa? Essa juventude é uma Juventude Clichê. Tão banal, tão normal...

[Kayque Meneguelli]

quarta-feira, 12 de março de 2014

Ensinarás

Ilustr.: Cécile Vallée


Ensinarás a voar…
Mas não voarão o teu voo.
Ensinarás a sonhar…
Mas não sonharão o teu sonho.
Ensinarás a viver…
Mas não viverão a tua vida.
Ensinarás a cantar…
Mas não cantarão a tua canção.
Ensinarás a pensar…
Mas não pensarão como tu.
Porém, saberás que cada vez que voem,
Sonhem, vivam, cantem e pensem…
Estará a semente do caminho
Ensinado e aprendido!

[Madre Teresa de Calcutá]

terça-feira, 11 de março de 2014

Aniversário

Ilustr.: Ronald Companoca
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

[Álvaro de Campos, in "Poemas"]

segunda-feira, 10 de março de 2014

Pele

Ilustr.: Denis Nunez Rodriguez



Não há memória mais terrível do que a pele...
A cabeça pensa que esquece...
O coração sente que passou...
Mas a pele arde, invulnerável ao tempo...

[Inês Pedrosa]

domingo, 9 de março de 2014

Sociogénese

Ilustr.: Virginia Palomeque

Nós, para os outros, apenas criamos pontos de partida.

[Simone de Beauvoir]

sábado, 8 de março de 2014

Safanão

Ilustr.: Ruth Sanderson



Não posso escolher como me sinto, mas posso escolher o que fazer a esse respeito.

[William Shakespeare]


sexta-feira, 7 de março de 2014

Ventos


Ilustr.: André Neves



Quando os ventos de mudança sopram,
umas pessoas levantam barreiras,
outras constroem moinhos de vento.

[Érico Veríssimo]


quinta-feira, 6 de março de 2014

Cansaço?

Ilustr. de origem vietnamita
<autor não identificado>
Não, não é cansaço... 
É uma quantidade de desilusão 
Que se me entranha na espécie de pensar, 
E um domingo às avessas 
Do sentimento, 
Um feriado passado no abismo... 

Não, cansaço não é... 
É eu estar existindo 
E também o mundo, 
Com tudo aquilo que contém, 
Como tudo aquilo que nele se desdobra 
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais. 

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

[Álvaro de Campos]

quarta-feira, 5 de março de 2014

Cisma

Ilustr.: Leonardo Da Vinci
Li um dia, não sei onde,
Que em todos os namorados
Uns amam muito, e os outros
Contentam-se em ser amados.

Fico a cismar pensativa
Neste mistério encantado...
Diga pra mim: de nós dois
Quem ama e quem é amado?...

[Florbela Espanca]

terça-feira, 4 de março de 2014

Menina

Ilustr.: Cécile Vallée




Alimento a menina que existe em mim
porque quando a mulher que sou pensa em desistir,
é a menina que me faz prosseguir.

[Romara Magalhães Picolotto]

segunda-feira, 3 de março de 2014

Silêncios

Ilustr.: Brunella Neri


Há dois tipos de silêncio.

Há o silêncio trágico da incomunicabilidade,
e o silêncio da fertilidade e da coragem,
que é, para aquele que se abstém de ser ouvido do lado de fora, destinado a chegar ao fundo, às raízes da verdade e da vida.
O nosso tempo precisa de redescobrir a fecundidade do silêncio, para superar o efémero, a dissipação de sons, de imagens e também das conversas que muitas vezes nos impedem de ouvir a voz de Deus.

[João Paulo II]

domingo, 2 de março de 2014

Deixar partir

Ilustr.: Nichola Moss



Suponho que no fim, a vida inteira se torna num acto de deixar partir.
Mas o que sempre magoará mais, é (quem parte) não demorar um momento sequer para se despedir.
Nunca pude agradecer ao meu pai tudo o que aprendi com ele.

[A Vida de Pi, 2012]


sábado, 1 de março de 2014

Se nada houvesse...

Ilustr.: Brooke Shaden
Se nada houvesse para além da morte,
Nada, e o que o espírito é pronto a querer
O que a imaginação em vão procura
Não fosse nada... E só um vácuo inteiro
No mundo, o enorme mundo perceptível,
Não fosse, nem o azulado das ondas
Nem a antecâmara da Realidade
Não outra coisa que o oco dele próprio,
E vazio do ser implodindo
Éter da ininteligibilidade
Onde o erro da razão sobre montes e vagas
Sem nexo em existir sem leis flutua.

Quem sabe se o supremo e ermo mistério
Do universo não é ele existir
Com inteireza tal em existir
Que não tenha sentido nem razão
Nem mesmo uma existência, de tão única,
Concebível... Meu espírito, corrompe-se
Ao místico furor do pensamento..
De horror sem dor

Se o mundo inteiro, — abismo sem começo,
Poço sem paredes, negro absurdo
Aberto noutro absurdo ainda mais negro —
Não tem possível interpretação
Nem intertemporalidade num futuro
Da razão, ou da alma, ou do universo
Ele-próprio.
Ah o ocaso sobre os montes
Com que réstia de luz nos faz de longe
O gesto lento de nos abençoar...
E nem sombra, nem mesmo definida
Tristeza dói...

Ó sempre mesma dor do pensamento.

[Álvaro de Campos]