domingo, 31 de agosto de 2014

Até à última gota

Ilustr.: Salvador Dali



Nossa insanidade tem nome:
chama-se Vontade de Viver
até à Última Gota.

[Martha Medeiros]

sábado, 30 de agosto de 2014

Glória

Ilustr.: Perception the coordination by Ironland


A maior glória não é ficar de pé,
mas levantar-se cada vez que se cai.

[Confúcio]

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Palhaço

Ilustr.: David Stribbling




Eu continuo a ser uma coisa só:
um palhaço,
o que me coloca em nível mais alto
que o de qualquer político.

[Charles Chaplin]

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Ménage à trois

Ilustr.: Chanelle Kotze
Eu já nem sei dizer. Recordo-te como se tivesse sido ontem, mas parece-me que carrego há séculos o frio progressivo da tua ausência. Não sei se é claro ou sequer compreensível o que digo, mas, se queres que te explique, acho que se parece com a água. Sim, com a água. Enquanto fomos dois a nossa água aqueceu, dilatou-se e entrou em ebulição; depois quando partiste, começou arrefecer, a querer congelar, a solidificar, enfim, como quando temos cuvettes no congelador. Hás-de reparar que, ao fim de um tempo, o frio também faz a água crescer e que os cubos deixados no frigorífico são maiores do que a água que lá puseste. Assim cresceu, também, isto que sinto por ti; isto que já não sei bem o que é – se é paixão, se amor apenas, ou só saudade. A água, ao menos, sabemos que cresce e mingua, aquece e arrefece, mas que é só a água, nada mais do que água. Agá dois ó. Três moléculas. Duas agá, de hidrogénio, uma ó, de oxigénio. Um ménage à trois da natureza.


[Manuel Jorge Marmelo, in 'O amor é para os parvos']

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Desde quando?

Ilustr.: Valeria Docampo


Pensa:
desde quando suportas o que não aguentas?

[Pedro Chagas Freitas]

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Coração com passado

Ilustr.: Cécile Vallée


Pode-se estar apaixonado por várias pessoas ao mesmo tempo, por todas com a mesma dor, sem trair nenhuma. Solitário entre a multidão do cais, dissera a si mesmo com um toque de raiva:
o coração tem mais quartos que uma pensão de putas.
Mas era ainda jovem demais para saber que a memória do coração elimina as más lembranças e enaltece as boas e que graças a esse artifício conseguimos suportar o passado.

[Gabriel García Marquez]

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Uns e outros

Ilustr.: Ronald Companoca





O homem de bem exige tudo de si próprio;
o homem medíocre espera tudo dos outros. 

[Confúcio]

domingo, 24 de agosto de 2014

Pudesse eu contar as vezes

Ilustr.: Chanelle Kotze
Pudesse eu contar as vezes que ferrei os cantos da boca imaginando que eram teus os dentes que assim me amavam; que eram os teus lábios aqueles que, nessas ocasiões, eu mordia. Lembras-te de uma frase que costumavas citar, por tê-la escutado em qualquer parte, ou lido, já não sei bem? Aquela que dizia
- A minha anatomia enlouqueceu; sou toda coração.
Pois é como me tenho sentido, mais ou menos assim, com a anatomia enlouquecida, sem saber já quais são os meus dentes ou qual a minha boca; como se cada pedaço meu não fosse mais do que saudade de ti: o desejo de te voltar a ver, de te cobrir outra vez de beijos - olhos, boca, rosto, o corpo todo de beijos -, de te abraçar e sentir o teu cheiro, de tomar nas mãos o ramo crespo dos teus cabelos e inalar a fragrância do teu pescoço. Possuo agora, em mim apenas, nos limites da minha topografia, toda a exaltação dos nossos corpos e sinto que não chego para tanto porque a soma de nós dois excedeu sempre a existência física dos nossos corpos. É como se rebentasse por dentro e tivesse de esticar a alma - ou lá o que é - para me ser possível reter ao menos um pouco do que daí sobrou.

[Manuel Jorge Marmelo, in 'O Amor É para os Parvos']

sábado, 23 de agosto de 2014

À força

Ilustr.: HJ Story




Não há nenhuma prisão,
em nenhum mundo,
na qual o Amor não possa forçar a entrada.

[Oscar Wilde]

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Complemento...

Ilustr.: Victor Bregeda
Não importa o que você fez de bom, o quanto ajudou ou realizou coisas boas. As pessoas geralmente teimam em querer ver, somente as suas falhas.
Ainda bem que, nesse mundo cada vez mais perdido, encontramos figuras raras, que não gostam de nós pelo o que somos, e sim pelo o que não somos, enxergam nossos defeitos, e duas vezes mais nossas qualidades.

Afinal de contas, essa história que todos somos a metade de alguém é papo furado. Não se permita ser a outra parte, ninguém é metade de ninguém, ninguém sobra e nem falta.

Na realidade, somos o complemento, o bónus do que o outro não é, somos as qualidades e defeitos que o nosso próximo não tem.
Você pode completar uma pessoa, e não ser metade dela!

Se essa teoria realmente fosse correta, seriamos sempre metade do que poderíamos ser? Confuso, não é verdade?
Isso significa que para se realizar sonhos, tanto os seus como o de outras pessoas, precisaremos sempre de alguém ao nosso lado, que nos apoie e nos conforte?

É claro que receber demonstrações de afeto é importante.
Mas suas decisões, as mais importantes da sua vida. Você decidirá consigo mesmo, sozinho.

Assim como você, todos a sua volta já nasceram definitivamente prontos, por fora, somos tecnicamente perfeitos. Não precisamos de mais nada.

Agora e por dentro, o seu interior?
Cabe a você decidir quais sentimentos quer colocar dentro de si, Deus te deu o livre arbítrio exatamente por isso.

Pra você não ser metade, pra você ser complemento.

[Kayque Meneguelli]

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Aprendemos...

Ilustr.: Valentine Rekunenko
“… Depois de um tempo aprendemos a diferença, a subtil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. Aprendemos que amar não significa apoiarmo-nos, que companhia nem sempre significa segurança, e começamos a aprender que beijos não são contratos, e que presentes não são promessas.
Começamos a aceitar as nossas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança … aprendemos a construir todas as nossas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair.
Depois de um tempo aprendemos que o sol queima se ficarmos por muito tempo expostos a ele e aprendemos que não importa o quanto nos importamos, algumas pessoas simplesmente não se importam…
Aceitamos que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai ferir-nos de vez em quando e precisamos de aprender a perdoá-la.
Aprendemos que as pessoas que mais nos amam, são justamente aquelas pessoas que recebem o nosso desprezo.
E descobrimos que existem pessoas tão fúteis, que são capazes de trocar uma vida inteira de amor e carinho, por um curto período de prazeres e farras.
Aprendemos como a vida é engraçada e como sonhos são tão facilmente destruídos.
E, em algum momento pensamos no amor… E isso torna-se engraçado… É engraçado… Às vezes sentimos, pensamos que estamos a ser amados, que estamos a amar e pensamos que encontrámos tudo aquilo que a vida podia oferecer … e em cima disso construímos os nossos sonhos, os nossos castelos, e criamos um mundo de ilusões onde tudo é belo… Até que a pessoa que amamos vacila... e põe tudo a perder, e põe tudo a perder..
Aprendemos que falar pode aliviar dores emocionais e descobrimos que se levam anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la … aprendemos que podemos fazer coisas em um instante, das quais nos arrependeremos pelo resto da vida.
Aprendemos que as verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias e que o que importa não é o que temos na vida, mas quem temos na vida (…)
Aprendemos que não temos que mudar de amigos se compreendermos que eles mudam, percebemos que nós e os nossos amigos podemos fazer qualquer coisa, ou nada, e termos bons momentos juntos. Basta querer.
Descobrimos que as pessoas com quem mais nos importamos são tomadas de nós muito depressa, por isso devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas … pode ser a última vez que as vejamos.
Aprendemos que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós (…)
Começamos a aprender que não nos devemos comparar com os outros, mas com o melhor que podemos ser.
Descobrimos que se leva muito tempo para se conquistar a pessoa que se ama, e que o tempo é curto. Aprendemos que ou controlamos os nossos atos ou eles nos controlarão e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade … não importa quão delicada e frágil seja uma situação, existem sempre dois lados.
Aprendemos que heróis são pessoa que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as consequências. Aprendemos que a paciência requer muita prática.
Descobrimos que algumas vezes a pessoa de quem esperamos um pontapé, quando caímos é uma das poucas que nos ajudam a levantar.
Aprendemos que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiências que tivemos e o que aprendemos com elas, do que o número de aniversários que celebrámos (...)
Aprendemos que quando se esta com raiva se tem o direito de estar com raiva, mas isso não nos dá o direito de sermos cruéis.
Descobrimos que só porque alguém não nos ama da maneira que queríamos que amasse, não significa que esse alguém não nos ame com tudo o que pode (...)
Aprendemos que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes temos de nos perdoar a nós próprios.
Aprendemos que com a mesma severidade com que julgamos, seremos em algum momento julgados.
Aprendemos que não importa em quantos pedaços o nosso coração foi partido, o mundo não pára para que o concertemos.
Aprendemos que o tempo não volta para trás, portanto devemos plantar o nosso jardim e decorar a nossa alma em vez de esperar que alguém nos traga flores .. e aprendemos que realmente podemos suportar... (…)

[William Shakespeare]

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Construir do zero


Ilustr.: Adrian Waggoner

Às vezes, é preciso partir antes do tempo, dizer aquilo que mais se teme dizer, arrumar a casa e a cabeça, limpar a alma e prepará-la para um futuro incerto, acreditar que esse futuro é bom e afinal já está perto, apertar as mãos uma contra a outra e rezar a um Deus que nos dê força e serenidade. Pensar que o tempo está a nosso favor, que a vontade de mudar é sempre mais forte, que o destino e as circunstâncias se encarregarão de atenuar a nossa dor e de a transformar numa recordação ténue e fechada num passado sem retorno que teve o seu tempo e a sua época e que um dia também teve o seu fim.

Às vezes mais vale desistir do que insistir, esquecer do que querer, arrumar do que cultivar, anular do que desejar. No ar ficará para sempre a dúvida se fizemos bem, mas pelo menos temos a paz de ter feito aquilo que devia ser feito. Somos outra vez donos da nossa vida e tudo é outra vez mais fácil, mais simples, mais leve, melhor.

Às vezes é preciso mudar o que parece não ter solução, deitar tudo a baixo para voltar a construir do zero, bater com a porta e apanhar o último comboio no derradeiro momento e sem olhar para trás, abrir a janela e jogar tudo borda-fora, queimar cartas e fotografias, esquecer a voz e o cheiro, as mãos e a cor da pele, apagar a memória sem medo de a perder para sempre, esquecer tudo, cada momento, cada minuto, cada passo e cada palavra, cada promessa e cada desilusão, atirar com tudo para dentro de uma gaveta e deitar a chave fora, ou então pedir a alguém que guarde tudo num cofre e que a seguir esqueça o segredo.

A coragem da vida é uma magnífica mistura de triunfo e tragédia.

[João Monge Ferreira]

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Desapegar

Ilustr.: Allen Bentley
Palavra de ordem do dia DESAPEGAR...
Desapegue-se de tudo que não te faz bem, descabele-se, desarrume-se, perca um pouco a compostura, seja mais humana... Chute o balde, refaça os planos, reencontre-se... Desorganize a rotina, reconstrua os sonhos, jogue fora o que pesa demais, a alma e a vida precisam de leveza, e periodicamente, precisamos de um pouco de loucura... Não se importe tanto, não leve tudo tão a sério, ria alto, espalhe-se, dê um tempo só para espreguiçar e depois, ria outra vez... Lave o rosto, a alma, refresque a memória do bom humor e ai comece o dia, mas pelo menos hoje, sem roteiros... Deixe o improviso te surpreender, permita-se, descubra-se, reinvente-se, sem muito protocolo nem regras, dê uma folga a agenda e a si mesma, faça um brinde ao acaso e simplesmente VIVA! Namastê!

[Janaina Cavallin]

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A parte melhor de conhecer alguém

Ilustr.: Salvador Dali

A parte melhor de conhecer alguém é ir conhecendo sem nunca chegar a conhecer. É descobrir cada coisa, estar atento a cada sinal, esperar cada notícia, cada acto, cada movimento como se estivesse a colher seixos na praia e a somá-los na palma da mão.

A parte melhor de conhecermos alguém é procurarmos, os detalhes, os pormenores, as semelhanças e os pontos em comum, as compatibilidades e a sintonia. E a ingenuidade de acreditarmos que as diferenças não importam para nada e que se podem diluir nos dias que operacionalizarão todas as possibilidades em aberto.

A parte melhor de conhecer alguém é podermos ser o que quisermos, e também nós próprios, para quem chega. É poder costumizar a nova relação prontinha a estrear para que nos assente bem. É a projecção do desconhecido que somos, também.
A melhor parte de conhecer alguém é a constatação de que há tudo para conhecer. E a oportunidade de o podermos fazer.

A parte melhor de conhecer alguém é quando o que mais queremos é ficar, permanecer, construir, investir, amar.

[João Monge Ferreira]

domingo, 17 de agosto de 2014

Imprescindíveis

Ilustr.: Shrek
Chega um momento em sua vida, que você sabe:
Quem é imprescindível para você,
quem nunca foi,
quem não é mais,
quem será sempre!

[Charles Chaplin]

sábado, 16 de agosto de 2014

O quê? Valho mais que uma flor

Ilustr.: Dana Torakis

O quê? Valho mais que uma flor
Porque ela não sabe que tem cor e eu sei,
Porque ela não sabe que tem perfume e eu sei,
Porque ela não tem consciência de mim e eu tenho consciência dela?
Mas o que tem uma coisa com a outra
Para que seja superior ou inferior a ela?
Sim tenho consciência da planta e ela não a tem de mim.

Mas se a forma da consciência é ter consciência, que há nisso?
A planta, se falasse, podia dizer-me: E o teu perfume?

Podia dizer-me: Tu tens consciência porque ter consciência é uma qualidade humana
E só não tenho uma porque sou flor senão seria homem.
Tenho perfume e tu não tens, porque sou flor...
Mas para que me comparo com uma flor, se eu sou eu
E a flor é a flor?

Ah, não comparemos coisa nenhuma, olhemos.
Deixemos análises, metáforas, símiles.
Comparar uma coisa com outra é esquecer essa coisa.
Nenhuma coisa lembra outra se repararmos para ela.
Cada coisa só lembra o que é
E só é o que nada mais é.
Separa-a de todas as outras o facto de que é ela.
(Tudo é nada sem outra coisa que não é).

[Alberto Caeiro]

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Um Adeus Português

Ilustr.: Valeria Docampo
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

[Alexandre O'Neill]

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Amar o Presente

Ilustr.: Ronald Companoca


É preciso fazer um esforço contínuo para amar o presente.
Viver pelo passado, pelo que se fez, pelo que se conseguiu, é o mesmo que alimentar uma fome premente com banquetes de outrora.

[Miguel Torga]

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sim: existo dentro do meu corpo

Ilustr.: Stephane Poulin
Sim: existo dentro do meu corpo.
Não trago o sol nem a lua na algibeira.
Não quero conquistar mundos porque dormi mal,
Nem almoçar a terra por causa do estômago.
Indiferente?
Não: natural da terra, que se der um salto, está em falso,
Um momento no ar que não é para nós,
E só contente quando os pés lhe batem outra vez na terra,
Traz! na realidade que não falta!

[Alberto Caeiro]

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Quando vier a primavera...

Ilustr.: Brita Seifert

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

[Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"]

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O que Distingue um Amigo Verdadeiro

Ilustr.: Mark Shasha

Não se pode ter muitos amigos. Mesmo que se queira, mesmo que se conheçam pessoas de quem apetece ser amiga, não se pode ter muitos amigos. Ou melhor: nunca se pode ser bom amigo de muitas pessoas. Ou melhor: amigo. A preocupação da alma e a ocupação do espaço, o tempo que se pode passar e a atenção que se pode dar — todas estas coisas são finitas e têm de ser partilhadas. Não chegam para mais de um, dois, três, quatro, cinco amigos. É preciso saber partilhar o que temos com eles e não se pode dividir uma coisa já de si pequena (nós) por muitas pessoas.

Os amigos, como acontece com os amantes, também têm de ser escolhidos. Pode custar-nos não ter tempo nem vida para se ser amigo de alguém de quem se gosta, mas esse é um dos custos da amizade. O que é bom sai caro. A tendência automática é para ter um máximo de amigos ou mesmo ser amigo de toda a gente. Trata-se de uma espécie de promiscuidade, para não dizer a pior. Não se pode ser amigo de todas as pessoas de que se gosta. Às vezes, para se ser amigo de alguém, chega a ser preciso ser-se inimigo de quem se gosta.

Em Portugal, a amizade leva-se a sério e pratica-se bem. É uma coisa à qual se dedica tempo, nervosismo, exaltação. A amizade é vista, e é verdade, como o único sentimento indispensável. No entanto, existe uma mentalidade Speedy Gonzalez, toda «Hey gringo, my friend», que vê em cada ser humano um «amigo». Todos conhecemos o género — é o «gajo porreiro», que se «dá bem com toda a gente». E o «amigalhaço». E tem, naturalmente, dezenas de amigos e de amigas, centenas de amiguinhos, camaradas, compinchas, cúmplices, correligionários, colegas e outras coisas começadas por c.
Os amigalhaços são mais detestáveis que os piores inimigos. Os nossos inimigos, ao menos, não nos traem. Odeiam-nos lealmente. Mas um amigalhaço, que é amigo de muitos pares de inimigos e passa o tempo a tentar conciliar posições e personalidades irreconciliáveis, é sempre um traidor. Para mais, pífio e arrependido. Para se ser um bom amigo, têm de herdar-se, de coração inteiro, os amigos e os inimigos da outra pessoa. E fácil estar sempre do lado de quem se julga ter razão. O que distingue um amigo verdadeiro é ser capaz de estar ao nosso lado quando nós não temos razão. O amigalhaço, em contrapartida, é o modelo mais mole e vira-casacas da moderação. Diz: «Eu sou muito amigo dele, mas tenho de reconhecer que ele é um sacana.» Como se pode ser amigo de um sacana? Os amigos são, por definição, as melhores pessoas do mundo, as mais interessantes e as mais geniais. Os amigos não podem ser maus. A lealdade é a qualidade mais importante de uma amizade. E claro que é difícil ser inteiramente leal, mas tem de se ser.

[Miguel Esteves Cardoso, in 'Os Meus Problemas']

domingo, 10 de agosto de 2014

Uns e os outros

Ilustr.: Alessandra Placucci

Não devemos julgar a vida dos outros,
porque cada um de nós sabe de sua própria dor e renúncia.
Uma coisa é você achar que está no caminho certo,
outra é achar que seu caminho é o único!

[Paulo Coelho]


sábado, 9 de agosto de 2014

O Anjo da Escada

Ilustr.: Angela Felipe


Na volta da escada
Na volta escura da escada.
O Anjo disse o meu nome.
E o meu nome varou de lado a lado o meu peito.
E vinha um rumor distante de vozes clamando
clamando...

Deixa-me!
Que tenho a ver com as tuas naus perdidas?
Deixa-me sozinho com os meus pássaros...
com os meus caminhos...
com as minhas nuvens...

[Mario Quintana,
in 'Apontamentos de história sobrenatural']

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Entre mim e o mundo

Ilustr.: Viviana Gonzallez




Há entre mim e o mundo uma névoa que impede que eu veja as coisas como verdadeiramente são — como são para os outros.
Sinto isto.

[Fernando Pessoa, in 'Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação']

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Caminho

Ilustr.: Wale by ironland




Perder-se também é caminho.

[Clarice Lispector]

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Alta tensão

Ilustr.: Nicolas Duffaut
Eu gosto dos venenos mais lentos
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo
passar

Eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá

Você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.

[Bruna Lombardi, in 'O Perigo do Dragão']


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Os amigos

Ilustr.: Diego Rivera

Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham;
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria -
por mais amarga.

[Eugénio de Andrade]

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Em meus braços

Ilustr.: Alberto Pancorbo



E quando ela está nos meus braços
As tristezas parecem banais
O meu coração aos pedaços
Se remenda pr'um número a mais.

[Chico Buarque]

domingo, 3 de agosto de 2014

Vai em frente

Ilustr.: Isabelle Malenfant

Tua caminhada ainda não terminou...
A realidade te acolhe dizendo que pela frente
o horizonte da vida necessita de tuas palavras e do teu silêncio.

Se amanhã sentires saudades,
lembra-te da fantasia e sonha com tua próxima vitória.
Vitória que todas as armas do mundo jamais conseguirão obter,
porque é uma vitória que surge da paz e não do ressentimento.

É certo que irás encontrar situações tempestuosas novamente,
mas haverá de ver sempre o lado bom da chuva que cai e não a faceta do raio que destrói.

Tu és jovem.
Atender a quem te chama é belo,
lutar por quem te rejeita é quase chegar a perfeição.
A juventude precisa de sonhos e se nutrir de lembranças,
assim como o leito dos rios precisa da água que rola e o coração necessita de afeto.
Não faças do amanhã o sinónimo de nunca,
nem o ontem te seja o mesmo que nunca mais.

Teus passos ficaram.
Olha para trás... mas vai em frente
pois há muitos que precisam que chegues
para poderem seguir-te.

[Charles Chaplin]

sábado, 2 de agosto de 2014

Tudo é possível!

Ilustr.: Steve Adams

A melhor viagem?
Aquela em que você passeia, em algum instante da vida,
pela possibilidade de que tudo é possível!

[Dan Cezar]


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Esta viveu!

Ilustr.: Salvador Dali



Morri de muitas mortes e mantê-las-ei em segredo até que a morte do meu corpo venha,
e alguém, adivinhando, diga:
esta, esta viveu.

[Clarice Lispector]