sábado, 23 de fevereiro de 2013

Cativo

Ilustr.: Nicoletta Tomas Caravia
Aquela cativa que me tem cativo,
Porque nela vivo já não quer que viva,
Eu nunca vi rosa em suaves molhos,
Que para meus olhos fosse mais formosa.

Nem no campo flores, nem no céu estrelas.
Me parecem belas como os meus amores:
Rosto singular, olhos sossegados,
Pretos e cansados, mas não de matar.

Uma graça viva, que neles lhe mora,
Para ser senhora de quem é cativa;
Pretos os cabelos, onde o povo vão
Perde opinião que os louros são belos.

Pretidão de amor, tão doce a figura,
Que a neve lhe jura que trocara a cor.
Leda mansidão, que o siso acompanha,
Bem parece estranha, mas bárbara, não.

Presença serena que a tormenta avança.
Nela enfim descansa toda a minha pena.
Esta é a cativa que me tem cativo;
E pois nela vivo, é força que viva.

[Luís Vaz de Camões]


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