quinta-feira, 27 de junho de 2013

Sob o Trópico de Câncer ( I )

Ilustr.: Eye Patch Tazor

Sai, Cancro (Câncer)!
Desaparece, parte, sai do mundo
Volta à galáxia onde fermentam
Os íncubos da vida,
De que és a forma inversa.
Vai, foge do mundo
Monstruosa tarântula, hediondo
Caranguejo incolor,
Fétida anémona carnívora!

Sai, Cancro (Câncer)!
Furbo anão de unhas sujas e roídas
Monstrengo sub-reptício, glabro homúnculo
Que empestas as brancas madrugadas
Com teu suave mau cheiro de necrose
Enquanto largas sob as portas
Teus sebentos volantes genocidas
Sai, get out, va-t-en, henaus
Tu e tua capa de matéria plástica
Tu e tuas galochas
Tu e tua gravata carcomida
E torna, abjeto, ao Trópico
Cujo nome roubaste.
Deixa os homens em sossego
Odioso mascate; fecha o zíper
De tua gorda pasta que amontoa
Caranguejos, baratas, sapos, lesmas
Movendo-se em seu visgo, em meio a amostras
De óleo, graxas, corantes, germicidas,

Sai, Cancro (Câncer)!
Fecha a tenaz e diz adeus à Terra
Em saudação fascista; galga, aranha,
Contra o teu próprio fio
E vai morrer de tua própria síntese
Na poeira atómica que se acumula na cúpula do mundo.
Adeus
Grumo louco, multiplicador incalculável, tu
De quem nenhum Cérebro Eletrónico poderá jamais seguir a matemática.
Parte, poneta ahuera, andate via 
Glauco espectro, gosmento camelô
Da morte anterior à eternidade.
Não és mais forte do que o homem — rua!
Grasso e gomalinado camelô, que prescreves
A dívida humana sem aviso prévio, ignóbil
Meirinho, Cancro (Câncer), vil tristeza...
Amada, fecha a porta, corta os fios,
Não preste nunca ouvidos ao que o mercador contar!

[Vinicius de Moraes]

Sem comentários :

Enviar um comentário