domingo, 4 de maio de 2014

Abrigo

Ilustr.: Ricardo Celma
Mãe — que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido...

Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sítio mais sombrio...
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido...

Eu dava o meu orgulho de homem — dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava.

Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mãe!

[Antero de Quental, in "Sonetos"]

2 comentários :

  1. Anónimo23:02

    Porque, tenho dúvidas se Antero de Quental falava à mãe ... julgo que se dirigia à amada ...

    "No teu branco seio eu choro.
    Minhas lágrimas descem pelo teu ventre
    E se embebedam do perfume do teu sexo.
    Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado
    Confuso, criança para te conter!
    Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza não!
    Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não!
    Homem sou belo
    Macho sou forte, poeta sou altíssimo
    E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem mil e uma portas.
    Ai! Teus cabelos recendem à flor da murta
    Melhor seria morrer ou ver-te morta
    E nunca, nunca poder te tocar!
    Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços
    Anjo, sinto o calor do vento nas espumas
    Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos...
    Correi, correi, ó lágrimas saudosas
    Afogai-me, tirai-me deste tempo
    Levai-me para o campo das estrelas
    Entregai-me depressa à lua cheia
    Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação das odes, dai-me o cântico dos cânticos
    Que eu não posso mais, ai!
    Que esta mulher me devora!
    Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha quero o colo de Nossa Senhora!"
    Vinicius de Moraes

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  2. Anónimo23:00

    Voltaria a fazer o mesmo comentário ... apenas o que muda são as amadas ...

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